quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

da natureza do golpe

O Brasil, todos sabemos, sofreu um golpe. Mais um na sua história. No dia seguinte ao golpe, a população brasileira acordou, se espreguiçou, bocejou, lavou o rosto, tomou o seu café, iniciou as suas atividades, cada um com os seus problemas, dilemas ou prazeres. Aqueles pobres, aqueles remediados, aqueles abastados... Os desonestos, muitos dos honestos; os que avançam os sinais, qualquer sinal, daqui, dali ou acolá; os clientes, todos os clientes, os inseridos no mercado e os que desejam se inserirem no mercado; os tristes e os alegres; os bons e os maus. 
Pelo dia, o Brasil foi seguindo o seu passo manso, introspectivo, com a calma paciente dos justos, distraídos por não se perceberem injustos. O Brasil atravessou o dia, comendo, bebendo, trabalhando, vagando, gozando, trocando idéias fúteis, inconseqüentes...
”como tá abafado”, “é, vai chover”, “odeio carregar guarda-chuva”, “eu também”, “será que vão prender o homem?”, “acho que sim”, “tem jogo hoje?”

Chegada a noite, os corpos cansados atravessam as portas residenciais, se acomodam nos seus cantos, se aconchegam..., todos aqueles que têm portas residenciais, que têm cantos e que têm a possibilidade do aconchego, e que poderão, depois de um boa noite de willian bonner, descansar para um outro dia, para um novo bocejo, um outro lavar de rosto, um novo café, para os novos dilemas, novos problemas ou novos prazeres. Tudo muito natural. Natural como um golpe.

quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

deu nisso

Viu só Lula! Você foi inventar de morar em São Bernardo do Campo, justo num lugar marcado pela luta operária...! Tanto lugar para você morar...,Higienópolis, por exemplo, ou Alto de Pinheiros...! Tomar café em padaria?! Onde já se viu...!,tendo a Vila Boim, por exemplo, onde você poderia ler o Le Monde. Ah, mas você não aprendeu o francês. Viu?, tinha que ter estudado mais! Foi inventar de ter uma chacrinha chamada “Los Fubangos”. “Los Fubangos??”, Lula! Aí não dá! E nem mesmo um apartamento no Guarujá você foi capaz de inventar. Mas seria pouca coisa. O bom seria se você tivesse comprado um em Paris. Olha que chique! Tem uma avenida lá Lula, chamada Avenue Foch. Dizem que é linda. Daria para você passear pelas alamedas floridas, pensar na vida, quem sabe até escrever a sua biografia. Foi se meter em vagar pelo Brasil... Falar com gente pobre, sem cultura. Por que você, em vez de ficar rodando pelas estradas, não comprou uma fazenda no coração do Brasil, em Buritis, por exemplo? Você poderia contratar um arquiteto renomado, ver, quem sabe, com a Camargo Correa, por exemplo, se ela não construía para você - um homem de prestígio- uma pista de pouso.
Foi inventar de juntar as consoantes de parte do nome do pai com o nome da mãe pra dar nome pra sua filha. Não seria melhor um nome mais, assim, digamos, normal, como Verônica, por exemplo, ou quem sabe Luciana? Imagina só, se tudo desse certo, ela poderia até virar sócia do homem mais rico do país, já pensou nisso?
Mas você foi inventar tantas outras coisa, Lula... Onde já se viu, você ficar de conversinhas com essa gente da África, essa gente esquisita da América Latina. Foi ainda falar grosso com o Bush, falar com a cabeça erguida com a Merkel. Imperdoável!
E ainda essa coisa de tirar gente da pobreza! Você provou, é verdade, que colocar essa gente no orçamento do Estado, faz girar e impulsionar toda a economia. Mas precisava? Eles já estavam lá quietinhos, acostumados. Os mais abastados estavam ali, tranquilos, não tendo que pensar em dividir espaço em aeroporto. E você foi mexer nisso!
Pensando bem, você tava lá, 50 ano atrás, empregado, numa empresa internacional, torneando peças (olha que bonito: “torneando”); o único problema foi perder um dedo, mas foi o dedo mindinho que não serve pra muita coisa. Batia a sua bolinha, tomava a sua cachacinha, ia ver o Corinthians... Não tava bom? Foi querer lutar pela gente; foi querer ocupar o lugar de quem sempre mandou. Deu nisso!


sábado, 6 de janeiro de 2018

o tempo, que não é de drummond, e a legião de imbecis

Há mais de dez anos publicamos neste empório uma sequência daquilo que chamamos de equívocos literários: textos falsamente atribuídos a grandes figuras da literatura.
Nesta passagem de ano, um poema circulou por todos os lados e foi parar até no elevador do meu condomínio, que é administrado pela tal da Lello. Trata-se do poema intitulado "O Tempo". Acho que muita gente deve tê-lo recebido na sua caixa postal. É aquele que começa assim: "Quem teve a ideia de cortar o tempo em fatias, / a que se deu o nome de ano, / foi um indivíduo genial..." e blá, blá, blá.  Atribuíram-no ao coitado do Carlos Drummond de Andrade. A bem da verdade, o poema era até pouco tempo de autor desconhecido mas parece ter um autor já identificado, mas como não tenho certeza, não mencionarei o nome.
Atribuir falsas autorias parece que foi um dos primeiros vícios que a rede estimulou. Em momentos em que o fascismo saiu dos boeiros, como este em que vivemos, essas práticas podem parecer café pequeno, e de fato são: uma pequena imbecilidade diante das imbecilidades perigosas. Mas não há como não lembrar de Umberto Eco que disse, pouco antes de morrer, que "as redes sociais deram voz a uma legião de imbecis".