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quarta-feira, 11 de setembro de 2013

40 anos do golpe militar no chile

O presidente Salvador Allende
Há exatos 40 anos ocorria um dos muitos atentados à democracia na América Latina: o golpe de Estado que derrubou e levou à morte o presidente eleito Salvador Allende. Em 11 de setembro de 2011, este Empório tratou do tema sugerindo dois filmes. Um deles é o 11th september dirigido por 11 diretores, entre eles Ken Loach. Ver aqui . O outro é "A batalha do Chile", de Patrício Guzmán. Ver aqui . Falamos também na ocasião sobre o outro 11 de setembro: o atentado às Torres Gêmeas em Nova Iorque, recuperando um artigo escrito no dia 12 de setembro de 2001 e publicado pela Revista Revés do Avesso. Ver aqui

domingo, 11 de setembro de 2011

artigo: a inauguração do século 21

Em 12 de setembro de 2001 escrevi o texto abaixo que foi publicado na edição daquele mês da Revés do Avesso. Hoje, evidentemente, teria uma outra abordagem para tratar do acontecimento. Mas o texto também seria outro se tivesse escrito na mesma semana, mas dois, três ou sete dias depois. Escrevi, portanto, ainda sob o impacto do evento já no prazo de fechamento da revista. Dez anos se passaram mas o marco do início do século estava lá, na fumaça e nos escombros das duas torres.  Muita coisa passou por cima e por baixo de muitas pontes: Bush invadiu o Afeganistão e depois montou uma peça de ficção para justificar a invasão ao Iraque às portas de uma nova eleição; Madrid e Londres sofreram atentados; uma crise econômica eclodiu; Bin Laden morreu; a palavra "guerra" continuou sendo palavra de ordem nos EUA que avisam, agora, que vetarão o reconhecimento do Estado Palestino na Onu.
Republico o artigo que mesmo envelhecido, ainda trás algumas das tensões e incompreensões de um mundo, que desde 2001, é  menos livre e mais inseguro.




 •EUA/11 de setembro


A Inauguração do Século 21


Por César de Paula

O dia 11 setembro de 2001 já ficou na história como um marco de um novo estabelecimento das relações no planeta. O ataque aos EUA aponta um novo momento, como que abrindo o século para novas situações que o mundo terá que enfrentar daqui para frente.

Na Guerra do Golfo em 1991, a propaganda dos EUA falava em “ataques cirúrgicos" que atingiriam apenas alvos militares e nunca civis. Foi a primeira guerra transmitida ao vivo com imagens espetaculares como jogos de videogame. Pessoas, civis, morriam com o distanciamento que a televisão permitia e com a estética que os índices de audiência apontavam para a venda dos espaços comerciais. Os tiros não foram cirúrgicos e os "heróis" americanos foram recebidos na Quinta Avenida com chuva de papéis picado.
Já no atentado aos EUA a cirurgia foi precisa. Atingiu-se a economia e a defesa, patrimônios simbólicos dos EUA representados pelo World Trade Center e o Pentágono.

Do ponto de vista mais objetivo é quase irônico imaginar como algumas poucas pessoas, ainda que colocando o próprio corpo, e portanto, a vida, como a principal arma, sem nenhum caça supersônico, sem a posse de nenhuma bomba ou qualquer artefato explosivo, sem sequer estarem munidos de revólveres, mas tão somente portando facas e estiletes, puderam abalar como abalaram, uma nação que já gastou bilhões de dólares com programas militares como o “Guerra nas Estrelas" ou com o mais atual, o "Escudo Antimísseis".

O fato é que os EUA continuaram se preparando após a Guerra Fria para enfrentar um adversário que hoje não existe. A guerra possível passa a não ser mais a dos mísseis balísticos, muito menos a da paranóia hollywoodiana de uma ação bélica nos corredores da via-láctea. O adversário do império militar e econômico neste 11 de setembro, não só não tinha armas, como não tinha rosto. Com o fim da Guerra Fria e a dissolução da União Soviética, uma ordem bipolar que regulava de certa forma as relações entre Estados, e situava as culturas dentro de quadros ideológicos mais consistentes, se desfez, criando uma nova ordem no tabuleiro do jogo das relações internacionais. O que parecia ser em princípio a hegemonização e homogeneização dos conceitos, práticas e culturas vindas do norte da América (o american way of life, passando definitivamente a iluminar o mundo como um novo sol) mostrou, num tempo histórico muito rápido, que o quadro estava se transformando, ao contrário do que se supunha, num campo vasto, visualizado por uma janela de heterogeneidades étnicas, religiosas e de escolhas de verdades centradas no microcosmo de algumas e determinadas sociedades. O acirramento da defesa de conceitos in veritum que afloraram à medida que se abriu um vácuo antes ocupado por ideologias mais definidas e que eram, em última instância, fatores aglutinadores que se sobrepunham às questões de caráter étnico-religioso. O conflito nos Bálcãs foi o grande exemplo inicial dessa nova fase.

Essa nova realidade entraria em conflito com o quase determinismo de uma nova ordem mundial arquitetada.

As imagens do atentado que todos assistimos ao vivo, como um filme catastrófico – bem ao gosto do público que lota as salas de cinema dos EUA -, mostrou, na população nova-iorquina, além do componente de sofrimento direto, objetivo, que foram as milhares de vidas que se perderam, um segundo componente: o drama psicológico de quem sente o orgulho ferido.

A construção de todo império se alicerça na positividade da auto-estima de sua sociedade. Esse foi o grande terceiro símbolo atingido. A lição dura e trágica que o episódio nos aponta, é que o mundo rico e, sobretudo a sociedade estadunidense, devem voltar os olhos para além dos seus quintais ajardinados, e que os líderes dos países desafortunados abram as janelas dos seus gabinetes acarpetados ou então, as guerras que trazem os corpos como armas se difundirão a ponto de se sobreporem, em números de vítimas, àquelas que já sucumbem pela fome nas periferias do planeta.



César de Paula é articulista colaborador da Revés do Avesso.



domingo, 3 de abril de 2011

um corte na paisagem urbana

(retomando a publicação de artigos publicados na extinta revista Revés do Avesso apresento nesta postagem este artigo publicado no longínquo julho de 1997)


"Uma baleia". "Uma montanha, um mar e o sol se pondo". "Uma paisagem, não sei bem!". "Não estou entendendo". Estas frases foram impressões de algumas pessoas que passando pelas ruas, se defrontaram com um out-door diferente. Nele nada era anunciado, nada era vendido. Não havia marca ou nome de produto. O out-door em questão fez parte de um projeto único proposto por Leila Reinert, artista plástica catarinense radicada em São Paulo e realizado pela Publicidade KJimes.
Colocado em alguns pontos estratégicos de São Paulo, entre 15 e 31 de julho, a obra fotográfica de Reinert é um fragmento ampliado de uma outra obra da artista que também foi exposta, só que entre paredes do MAM (Museu de Arte Moderna) também em julho.
O objeto em questão é o corpo, mais propriamente pernas em uma banheira. Mas qual a importância de uma definição precisa de imagem? Há um corpo e ao mesmo tempo não há. Uma paisagem se apresenta mas não se identifica.
O out-door é a mídia do impacto imediato, a dos transeuntes apressados. Os textos, quando os há, são curtos e objetivos. As mensagens visuais são de rápida assimilação. Pretendem-se sedutores. Quando usam as formas do corpo humano, apresentam corpos esculpidos pelas academias de ginástica. Vendem a imagem que está na superfície. Não há interesse para o que está sob a pele. O que é obscuro não é a mensagem e portanto não vende. E é nesse espaço que a obra de Reinert apresenta o íntimo que deixa de ser privado. E, à medida que essa transposição se dá, o caráter de voyeur se dilui; quebra o valor psicológico da intimidade revelada, exposta e ampliada para o domínio público. O estranho enquanto linguagem.
Alguns são os elementos envolvidos. O corpo que se banha invade a cena. Toma lugar. Ocupa o espaço urbano. Se a intimidade enquanto rito toma como símbolo o sagrado, nesse caso ela se dessacraliza tomando parte do que é público. Numa medida ampliada, é o endo que se transfigura em exo. O corpo se aproxima da lente (ou vice-versa) numa quase colisão; a "subjetividade da lente", levando a junções: as pernas, a água, o ralo, a banheira, que formam outros seres ou uma paisagem. Exposto, transforma-se em intersubjetividades. Múltiplas e individuais sensações. Não há literalidades, mas metaforizações.

Reinert tem uma sensibilidade de difícil acesso: são portas semi-abertas; arestas que iluminam parcialmente. O caminho não é traçado. Há nessa artista, as descobertas por centímetros percorridos, e a (imprescindível) inquietação da obra já realizada. Seus objetos têm o caráter perturbador, que quase invariavelmente se contrapõem com o espaço ao qual está sendo exposto o trabalho.
Se a passagem da areia na ampulheta se amplia e derrama o tempo com mais velocidade; se o final do século nos coloca questões novas, confundindo a ordem dos acontecimentos; se já não há espaços para vanguardas artísticas, há ainda a possibilidade real (e é preciso trabalhar por isso) de pensarmos além das tecnologias.
Obras que mexem ou alteram a rotina, mesmo que minimamente, acabam tendo o caráter do corte (ou arranhão!) e da imprevisibilidade, importante para "cutucar" os processos que se querem definidos por serem pré-determinados.

Ocupar um espaço que é destinado para o chamamento ao consumo, com um trabalho gerado por uma concepção puramente estética, tem um valor particularmente importante nesse momento, em uma metrópole como São Paulo. Falar com o corpo se transvalora numa condição de "matéria humana". O pensador e teatrólogo Antonin Artaud (1896-1948)"montou" um corpo sem órgãos, integral: o estômago ligado ao sistema nervoso; o fígado filtrando o pensamento. No out-door de Reinert, o corpo, mesmo com outro caráter, tem uma unidade que se estabelece na união cênica, na composição de uma possível paisagem que se forma. Um olhar único entre a frieza de carros, prédios e fumaças.








REVÉS DO AVESSO JULHO -1997

domingo, 2 de janeiro de 2011

revés do avesso


Por alguns anos fui colaborador da extinta revista Revés do Avesso dirigida por Frei Giorgio Callegari, falecido em 2003. Escrevi cerca de vinte artigos entre 1995 e 2002. Infelizmente a revista não foi digitalizada e, como tinha uma tiragem relativamente pequena, há uma tendência de se perder no tempo.
Com toda a dificuldade que tenho com a informática, fui apresentado a um programa chamado “Acrobat” e depois de anotar detalhadamente, passo a passo, e botar a mão na massa, consegui digitalizar e depois transformar em documento “word” que permite a postagem no blog. Dessa forma, pretendo recuperar e documentar alguns desses artigos.
Hoje escolhi o artigo “Fragmentos da Arte” publicado no final de 1996. Coincidentemente, escrevi recentemente o texto “sobre arte” (antes de reler “Fragmentos da Arte”) e muito das ideias sobre arte da época permanecem, demonstrando, talvez, que não evoluí muito sobre a matéria. Outra percepção é que eu usava na época o termo “neoliberal”, vivo na época, e que foi caducando nos últimos anos , sendo enterrado e colocado nos livros de história, a partir da crise econômica mundial de 2008.


FRAGMENTOS DA ARTE
César de Paula

Foram-se os tempos das vanguardas. Foram-se também as utopias?
São Paulo recebeu neste final de ano, principalmente no mês de outubro, formas e linguagens artísticas das mais variadas diversidades e dimensões. Festivais de Jazz e de Dança, Mostra Internacional de Cinema, exposições de e para todos os lados e, sobretudo, a Bienal.
Atenho-me no entanto a uma exposição em particular que se encontra na Casa das Rosas, na Av. Paulista em São Paulo, com nomes consagrados das artes plásticas brasileiras. O tema "Utopia", carregado de historicidade, aponta o caminho ao qual os artistas deveriam expressar as suas obras.
Etimologicamente, a palavra "Utopia" foi criada através de um topônimo por Thomas Morus em 1516. Queria representar uma ilha imaginária, local de um sistema social, legal e político perfeito. Já o socialismo utópico teve em Charles Fourier o seu grande ideário. A sua primeira obra, "Le Nouveau Monde Industriel et Societaire" (O Novo Mundo Industrial e Societário) de 1829, defendeu a extinção da sociedade burguesa, substituindo-a por uma sociedade de falanstérios, ou seja, um lugar onde não há propriedade privada mas uma comunidade. Imaginava uma sociedade sem laços familiares, sem uma divisão fixa de trabalho, com o desenvolvimento de atividades lúdicas e com a ausência de qualquer tipo de autoritarismo. Mais tarde defendeu uma utopia levada às últimas conseqüências, com a dissolução total dos laços familiares e, como proposta, o amor livre.
Herbert Marcuse retomou nos anos 60 o pensamento utópico e junto com o movimento dos estudantes colocou novamente em questão as idéias de Fourier, tendo como base a revolução erótica como elemento primordial para uma revolução social.
Voltemos à Casa das Rosas. Os artistas tinham em mãos um tema complexo, de difícil acesso mas de múltiplas possibilidades. Abstraíram-se. Não com o tema, forjado de abstrações, mas com as concepções. "Utopia" acabou como um suporte para projeções individualizadas. O tema poderia ser qualquer outro e essas projeções estariam ali. Aqui encontramos o impasse ao qual se debruça a arte atual.
As vanguardas se tornaram história. São clássicos. Estão expostas, por vezes, a uma descaracterização que as transforma em ausência do sentido. Quais as razões? Em suma, são as questões de mundo, representadas nas artes de um modo geral. A crise do coletivo: a individualização que se sobrepõe à individualidade. As novas linguagens, cada vez mais interativas, mais visuais, num mundo das imagens: a virtualidade. A tecnologia como personificação do indivíduo. O projeto neoliberal como filosofia da diferença, mas a diferença da competição, seleção e exclusão.
A falta de vanguardas, ou mesmo as revisitações a elas, não é um mal em si. Na colcha de retalhos contemporânea, há um campo vasto, aberto numa imensidão, como sendo uma teoria básica de liberdade. Só o conceito "liberdade" - e por conseqüência, "democracia"- demandaria muitas teses, sujeitas às mais diversas manipulações. Mas no processo da execução ao qual se prende o artista, a liberdade está sujeita a um limite. Esse entendimento do artista é que permite a obra. A última pincelada, o último acorde é o limite da liberdade da obra. Portanto há regras para a liberdade. Da mesma forma, só se pode pensar o coletivo a partir da revitalização da individualidade em contraposição à reafirmação do individualismo, uma panacéia neoliberal.
Entre toda vastidão, o acúmulo ilimitado de informações, que coloca pessoas como sujeitos, e não agentes dos acontecimentos. O excesso de informação tem um caráter enganador, de simulacro, em que se passa a idéia do ser inserido no mundo e dele captando todos os acontecimentos, quando na verdade ele atravessa apenas a superfície num instante cada vez mais rápido do tempo. Tem-se um reino das mil possibilidades. Platão ao falar do termo phármacon, o colocou como ambíguo. Aquilo que pode servir para o bem ou para o mal. O que cura ou o que mata. O remédio e o veneno.
O artista, como catalisador das emoções, ou como agente do mundo, está envolto nas brumas deste final de século. Merleau Ponty, há algumas décadas, disse ser o artista e não o filósofo o pensador das imagens. Hoje é o mercado quem impõe a imagem e através dele, a roda da história ganha uma outra dimensão.
Do outro lado da obra, o espectador que na sua suposta inteireza se divide. Muitas vezes - e percorrendo os corredores, escadas, cantos, carregados de marcas da história da Casa das Rosas, e que me serve de apoio - o espectador tem a missão de fruidor da contra-subjetividade e não especificamente da obra. Na verdade, choques de subjetividades: a sua e a do artista.
Se as utopias resistem como possibilidade do sonho dentro de um mundo que projeta verdades absolutas, elas não estiveram presentes no endereço ao qual serviu de exemplo para este artigo.
REVÉS DO AVESSO -NOVEMBRO/DEZEMBRO• 1996