quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

o golpe, a caixa de pandora e o "quem nunca comeu mel quando come se lambuza"

A mitologia grega é riquíssima em nos fartar de metáforas que podem se encaixar a cada momento do nosso percurso histórico humano na Terra. (Já abro este parêntese para dizer que acho que a experiência humana na Terra definitivamente não deu certo, mas este é tema para um outro momento).
O cenário atual no Brasil me faz lembrar da "caixa de pandora". À Pandora, a primeira mulher da Terra,  foi-lhe entregue uma caixa, que parece era, no fundo, um jarro, contendo todos os males do mundo e, escondidinha em algum canto, a esperança. Pandora era, na síntese do mito, uma criação de Zeus como vingança por Prometeu - o titã criador e protetor da humanidade - ter presenteado os homens com o fogo para que dominassem a natureza, coisa que Zeus discordava. Ao receber a caixa, Pandora foi alertada para que não a abrisse e, exatamente por isso, ela a abriu, liberando todo o mal do mundo. Assustada, e vendo o que acabara de fazer, fechou-a rapidamente não dando tempo para que a esperança, eternamente aprisionada, escapasse.
Além da mitologia, o mundo é marcado pela riqueza metafórica dos ditados populares. Há um que também me faz associá-lo ao momento que vivemos: "quem nunca comeu mel, quando come se lambuza". Não sei se a caixa de Pandora ou o produto do esforço das abelhas é o que melhor ilustra o que está acontecendo neste momento no Brasil. Talvez uma mistura dos dois.

Já abordamos neste empório, que a construção do golpe se inicia em 2005. Mas a caixa de Pandora foi aberta logo depois da vitória de Dilma Roussef em 2014. Toda sorte de estratagemas foram arquitetados para pavimentar a consolidação do golpe, inclusive paralisar o país e acentuar a crise, exatamente como em 1954, cabendo agora ao PSDB, o papel que a UDN desempenhara na época. Presenciamos uma espécie de vale-tudo: dedo no olho, obstrução dos trabalhos legislativos, chute nas partes baixas, criação de pautas para o STF - papel cumprido pela grande mídia oligopolizada, que também se ocupou do processo de imbecilização de grande parcela da população -, aplicação da seletividade no aparato jurídico, reação violenta das polícias contra manifestações, entre outras maldades.
Claro está que além da tomada do poder, o que sempre tem um componente de exercício de ego, a razão maior do golpe se sintetiza na execução de ações que nunca seriam implementadas se tivessem que ser discutidas em um processo eleitoral. Como a PEC 55, que acaba de ser aprovada no Senado, e que é uma espécie de Ato Institucional que fere de morte o capítulo dos direitos sociais da Constituição, fazendo definhar até o orçamento da Educação. Ou como o desmantelamento do sistema de aposentadoria com uma reforma que faz Pandora arregalar os olhos de espanto, e como a outra, a reforma trabalhista que sepulta a CLT. Há ainda as privatizações, ou aquilo que sarcasticamente será chamado de privatizações. (Quem não assistiu ao filme Snowden, sugiro ao menos a entrevista do diretor Oliver Stone aqui. O tema, além do golpe, é ali tratado). E tudo isso feito a toque de caixa, com muita rapidez, para que não haja discussões, reflexões, e que não invada o ano de 2017, ano que poderemos ter o golpe dentro do golpe, como aconteceu em 1968.

"Lambuzação"

Consolidado o golpe, todos aqueles que o viabilizaram andam se lambuzando, excitados com o poder de exercer o poder, conforme nos demonstra o sintomático discurso do deputado Alceu Moreira. E como é prática de golpistas, ao se lambuzarem eles não têm nenhum freio, não se importam em escancararem que, obviamente, a questão ética na contraposição da corrupção, era apenas um discurso mais do que manjado, utilizado para quase todos os golpes em toda a parte do mundo em que se praticam golpes. Os lambuzados não se importam nem mesmo com o derretimento das instituições democráticas, que é o que estamos vendo no Brasil.

O risco que corríamos

Quando publicamos neste empório o artigo o risco que corremos há quatro anos, em outubro de 2012, havia uma apreensão e um risco de fato, que o nosso processo de democratização pudesse sofrer alguma interrupção. O comportamento da mídia agindo como um partido de oposição, o mais forte partido de oposição em função dos meios que dispõe; o posicionamento do STF, ressuscitando uma peça jurídica abandonada no mundo todo, como a Teoria do Domínio do Fato, e os golpes que já haviam se efetivados em Honduras e no Paraguai, nos alertavam que algo poderia ser tentado, mas, ainda assim, era difícil imaginar que um país com a importância que tinha alcançado no cenário mundial e sendo a 7° economia do mundo, fosse levado a ser rebaixado, de forma tão abruptamente rápida, à condição que imaginávamos superada, de uma republiqueta bananeira, ainda que a banana já não fosse nem de longe o mais importante dos nossos produtos.

Prometeu, na briga final com Zeus, depois de Pandora ter espalhado todos os males pelo mundo, levou a pior. Passou o resto da eternidade regenerando o fígado para que o órgão fosse cotidianamente comido por uma águia. A semelhança deste episódio mitológico com o Brasil é mera coincidência.