segunda-feira, 25 de dezembro de 2017

transitório

transitório
como o cão que um dia tive
como a palavra interrompida e não dita
como a folha, que seca,
pousa de eterna entre as letras do livro

transitório
como o movimento minimalista da mão que cerca esta taça

como a poeira que penetra e se adensa
no espaço a que não pertenço
porque nele me instalo como transitório

como a partícula, a célula, a bactéria
que se acomodam na não existência do olhar

transitório como a lupa
que amplia o passar

como o passo que não acolhe o caminho

como o rio heráclito

como a relva orvalhada desfalecida ao meio do dia

transitório como a dor sentida
e o amor perdido

transitório como a pausa irrefletida
como o cansaço ora assumido

como a intenção
(não qualquer intenção mas aquela imprudente que se acerca do que não a extrapola,
daquilo que lhe escapa, daquilo que lhe corrompe)

como a matéria não aparente
aquela que transborda
aquela que sucumbe

transitório
como o esteves sem metafísica
como todas as tabacarias
como o ar neblinado e como o tempo não acolhido

transitório
como o interregno
(mais que o interregno: aquilo que não mais sendo, ainda não é)

como a pedra que ensina
a pedra lisa
a pedra áspera
a pedra densa
a pedra de joão

transitório como a queda

transitório como uma vida sem rumo

como as sobras esfareladas
que vão se perdendo
uma
a
uma

uma
a
uma
...
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