domingo, 28 de dezembro de 2008

billie holiday, lady sings the blues

Fui fazer uma edição e não sei o que fiz, e o filminho direto do Youtube sumiu desta e das postagens anteriores. Assim, coloco apenas os links. (É duro não entender desse troço!):
http://www.youtube.com/watch?v=YtqjW2uhBT4

domingo, 9 de novembro de 2008

pantanal



Eu e Cláudia fizemos um retiro de uma semana no Pantanal. Do nosso safári, alguns registros:


Um macaco prego e uma sequência de jacarés abaixo


Um socó secando as asas


Tuiuiu, o símbolo do Pantanal, é uma ave de grande porte, mede aproximadamente três metros de uma ponta da asa a outra e pode chegar até 1 metro e 60 de altura
Ó ele aí de novo

Uma garça maguari, a maior garça brasileira


Uma garça maguari alçando vôo

Um gavião preto ao cair da tarde

sábado, 27 de setembro de 2008

brasil

Mapa do Brasil

foto: gê césar de paula


São Conrado, área nobre do Rio de Janeiro.
Ao fundo a Rocinha.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

pedaços de tempo (3)



um pão

no fundo

do armário

alimenta

o

tempo

faminto


terça-feira, 9 de setembro de 2008

pedaços de tempo (2)


molas pra lá
parafusos pra cá
engrenagens confusas

no meio o menino
que jogou o relógio
no chão

ele queria conhecer
o tempo

domingo, 7 de setembro de 2008

pedaços de tempo (1)




a bicicleta
parada

na aragem
descansa

no meio
do
tempo








foto:gê césar de paul 
 

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

as águas do mundo

Aí está ele, o mar, o mais ininteligível das existências não humanas. E aqui está a mulher, de pé na praia, o mais ininteligível dos seres vivos. Como o ser humano fez um dia uma pergunta sobre si mesmo, tornou-se o mais ininteligível dos seres vivos. Ela e o mar. Só poderia haver um encontro de seus mistérios se um se entregasse ao outro: a entrega de dois mundos incognoscíveis feita com a confiança com que se entregariam duas compreensões. Ela olha o mar, é o que se pode fazer. Ele só lhe é delimitado pela linha do horizonte, isto é, pela sua incapacidade humana de ver a curvatura da terra. São seis horas da manhã. Só um cão livre hesita na praia, um cão negro. Por que é que um cão é tão livre? Porquê ele é o mistério vivo que não se indaga. A mulher hesita porque vai entrar. Seu corpo se consola com sua própria exigüidade em relação a vastidão do mar porque é a exiguidade do corpo que o permite manter-se quente e é essa exigüidade que a torna livre gente, com sua parte de liberdade de cão nas areias. Esse corpo entrará no ilimitado frio que sem raiva ruge no silêncio das seis horas. A mulher não está sabendo: mas está cumprindo uma coragem. Com a praia vazia nessa hora da manhã, ela não têm o exemplo de outros humanos que transformam a entrada no mar em simples jogo leviano de viver. Ela está sozinha. O mar salgado não é sozinho porque é salgado e grande, e isso é uma realização. Nessa hora ela se conhece menos ainda do que conhece o mar. Sua coragem é a de , não se conhecendo, no entanto prosseguir. É fatal não se conhecer, e não se conhecer exige coragem. Vai entrando. A água salgada é de um frio que lhe arrepia em ritual as pernas. Mas uma alegria fatal - a alegria é uma fatalidade - já a tomou, embora nem lhe ocorrera sorrir. Pelo contrário, está muito séria. O cheiro é de uma maresia tonteante que a desperta de seus mais adormecidos sonos seculares. E agora ela está alerta, mesmo sem pensar, como um caçador está alerta, mesmo sem pensar. A mulher é agora uma compacta e uma leve e uma aguda- e abre caminho na gelidez que, líquida, se opõe a ela, e no entanto a deixa entrar, como no amor em que a oposição pode ser um pedido. O caminho lento aumenta as coragem secreta. E de repente ela se deixa cobrir pela primeira onda. O sal, o iodo, tudo líquido, deixam-na por uns instantes cega, toda escorrendo- espantada de pé, fertilizada. Agora o frio se transformou em frígido. Avançando, ela sobre o mar pelo meio. Já não precisa da coragem, agora já é antiga no ritual. Abaixa a cabeça dentro do brilho do mar e retira uma cabeleira que sai escorrendo toda sobre os olhos salgados que ardem. Brinca com a mão na água, pausada, os cabelos ao sol quase imediatamente já estão endurecendo de sal. Com a concha das mãos faz o que sempre fez no mar, e com altivez dos que nunca darão explicação nem a eles mesmos: com a concha das mãos cheia de água, bebe em goles grandes, bons. E era isso o que estava lhe faltando: o mar por dentro como o líquido espesso de um homem. Agora está toda igual a si mesma. A garganta alimentada se constringe com o sal, os olhos avermelham-se pelo sal secado pelo sol, as ondas suaves lhe batem e voltam pois ela é um anteparo compacto. Mergulha de novo, de novo bebe mais água, agora sem sofreguidão pois não precisa mais. Ela é a amante que sabe que terá tudo de novo. O sol se abre mais e arrepia-a ao secá-la, ela mergulha de novo: está cada vez menos sôfrega e menos aguda. Agora sabe o que quer. Quer ficar de pé parada no mar. Assim fica pois. Como contra os costados de um navio, a água bate, volta, bate. A mulher não recebe transmissões. Não precisa de comunicação. Depois caminha dentro da água de volta à praia. Não está caminhando sobre as águas- ah, nunca faria isso depois que há milênios já andaram sobre as águas- mas ninguém lhe tira isso: caminhar dentro das águas. Às vezes o mar lhe impõe resistência puxando-a com força para trás, mas então a proa da mulher avança um pouco mais dura e áspera. E agora pisa na areia. Sabe que está brilhando de água , e sal e sol. Mesmo que o esqueça daqui a uns minutos, nunca poderá perder tudo isso. E sabe de algum modo obscuro que seus cabelos escorridos são de náufrago. Porque sabe - sabe que fez um perigo. Um perigo tão antigo quanto o ser humano.
Clarice Lispector. In: Felicidade Clandestina

sábado, 19 de abril de 2008

portela


Existem coisas difíceis de explicar. Por que sou Portela, por exemplo? Talvez, entre tantas coisas, por esta música: http://www.paixaoeromance.com/70decada/foi_um_rio/h_foi_um_rio.htm Mas talvez seja por ela

http://www.youtube.com/watch?v=8CLeUlZXvfE&feature=related

Acho que, de fato, não há explicação..

viola enluarada



O ano era 1967. Anos bicudos aqueles! Estávamos a um ano do AI5 e o cenário musical brasileiro fervia. Os irmãos Paulo Sérgio Valle e Marcos Valle (na foto nos anos 60) fizeram esta pequena obra prima:

http://www.paixaoeromance.com/60decada/viola/hviola.htm

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

schopenhauer?

O poema da postagem anterior, é de Helena Schopenhauer Borges, personagem que conheci no sítio da Márcia Tiburi ( http://www.marciatiburi.com.br/ ), professora de filosofia e já bastante conhecida por suas aparições na telinha. A descrição e a trajetória de Helena, eu deixo por conta da própria Márcia Tiburi, num texto extraído do seu sítio. Vale a pena uma visita por ali, não só para a descoberta de outros poemas, como também pelos depoimentos de pessoas que, de alguma forma, tiveram alguma interação com esta instigante personagem.


Helena Schopenhauer Borges suicidou-se em 1977 aos 45 anos em Santana do Livramento no interior do Rio Grande do Sul, fronteira com o Uruguai. Viveu nas ruas a partir de seus quatorze anos passando esporádicos períodos no hospício da cidade vizinha Rivera (Hospital de La Santíssima Luz) fechado em final dos anos sessenta, sendo transferidos os poucos internos de nacionalidade brasileira para o hospital de Ana Rech próximo a Caxias do Sul. Seu registro de nascimento diz que foi bisneta de Amália Schopenhauer, parente de Arthur Schopenhauer, o filósofo, herdeira de alguns de seus bens (uma caneta de ouro do tio distante com suas iniciais e dois livros com dedicatória, bem como uma soma em dinheiro que não ficou especificada nos documentos que pudemos compilar) com os quais veio ao Brasil junto aos colonos alemães que chegaram para povoar a serra gaúcha em 1835. A família tentou a sorte na fronteira distante. Sua chegada data de 1844 junto aos pais Caspar e a mãe Tessa para casar-se com Lúcio Borges, promissor dono da funerária local, descendente de açorianos. Teve nove filhos e entre eles, Maria, a mais nova de todas nascida quando a mãe já era avó em 1870 e filha de um escravo alforriado pela própria Amália que se tornou viúva relativamente cedo. Maria foi mãe de Letícia, Suetônia e Laura, nascida em 1910 e que, após parir Helena, bastarda depois de três filhas legítimas, foi internada pelo próprio marido, um tal Leitão Pandolfo num hospício no interior de Mostardas morrendo ali em data não sabida. Maria, ao que consta, era poeta, deixou antes de partir para o sanatório, alguns poemas inacabados. Helena nasceu em 1932. Não sendo adotada pelo padrasto enraivecido, foi registrada com o nome da mãe. O pai desconhecido era uma verdadeira ferida social naqueles tempos de moralismos ferrenhos. Helena foi criada pela nova esposa, cujo nome não é mencionado em documento algum, que foi mãe de outros 12 filhos do traído Leitão. A pequena Helena cresceu no esquecimento, sobrevivendo ao discurso torpe sobre sua origem indecente.



Os textos de Helena, dos quais aqui apresento uma amostra do que pude ler até agora, são o conjunto de seu espólio que me foi confiado em 2005 por um grupo de professoras de língua portuguesa da distante cidade gaúcha, que vinham reunindo os escritos em diferentes estágios de destruição pelo tempo, pelo armazenamento. Apresento os textos atualmente com algumas correções e até mesmo interferências de meu próprio trabalho de linguagem, já que há nele um rumor inovador, algo de antigo e louco que me cativa. Posso dizer que eu gostaria de refazer sua obra, rica em imagens e sentimentos com intensa atualidade, ainda que inacabada, talvez por isso mesmo.



Não sei que rumo irá tomar, pois pude avaliar apenas uma parte do espólio que, notei, ainda que sem tempo de debruçar-me sobre sua totalidade, está dividido entre os textos assinados por Helena Borges, seu nome verdadeiro, e outros assinados por Helena Schopenhauer, seu nome não exatamente verdadeiro, mas possível devido a seu ancestral remoto. O que a teria levado a assinar com tal nome é algo que ainda não decifrei. O material chegou até mim em 5 caixas cuidadosamente organizadas pela Professora Dra. Luciana Argêntea da Luz e suas alunas Beatriz Braz Vargas e Aletéia Pessoa, a quem agradeço, em diversas pastas de papel pardo que ainda devo abrir. Ao telefone afirmaram que não podiam mais guardar um material tão precioso em condições precárias de pesquisa e sem ajuda institucional. É a situação da história da literatura no Brasil. Nas pastas que pude abrir vejo que há textos que não são de Helena, mas que, certamente, eram sua leitura, como um livro todo de Mary Wollstonecraft, Mary Albany e Juliette Donnée, em inglês e francês como se lia na época em que a literatura brasileira era coisa para poucos.

helena schopenhauer borges

Insones
Canto amaldiçoado em ré menor


Páris,
Como sofro longe dos teus olhos descansados
Eu viveria em teu túmulo
Se deixassem que eu fosse a terra a proteger teus ossos do frio.

Me guardam o dia todo dentro de um vaso de lama e moscas
voam ao meu redor


Guardaria teus olhos de vidro dentro de um copo de cristal
Olharia para eles todos os dias antes de dormir
Rezando atrás das vozes inéditas das borboletas

Choraria
Sabes bem que eles me trancaram longe de tudo o que posso ver
Nem a ti
Com quem me casaria
Em silêncio
E para sempre
hoje sonhei com tuas mãos abrindo a janela e vindo salvar
a tua amada.

1. Inventei um jeito de sair do tempo
Com o relógio da parede
Foi só arrancar os ponteiros
Estavam parados e era preciso limpar com força e vontade


Lavar cada número com um pano molhado
Não havia água e eu usei saliva
Não ficou muito limpo
Deu para apagar a memória

Era o mais importante

Agora que não tenho mais passado, terei futuro?

Desde que estou aqui com minha janela quadrada e
os que passam para todos os lados
o dia todo como loucos sei que estou fora do tempo

Quem ainda precisa disso?

2.

Maria Amélia está sobre as asas, barriga para cima, gorda e seca
E se pudesse me ver veria os olhos arregalados
As asas seriam mais leves
Eu esperaria sem vontade de sair

Do teu campo de visão
Entre uma parede e outra,
Entre os tijolos
O pó e o pó

3.

Disse-nos o homem que é ao pó que retornaremos
Eu não vou esperar o apocalipse
Não quero ver meus dentes sobre a terra
Nem a faca sobre o mármore explicando o fio de sangue
Não quero ver onde fui com os dedos apertados
esperando que me atendessem as preces
Eu que já acreditei em deus
Agora acredito nas múmias e nas cartas que dizem o futuro

E o escuro passa tapeando o meu campo de visão
As sementes do inverno acrescem-se de dízimos

Homens se mabarba vem despertar os não dormidos
É o tempo da noite
Que se planta e se resume a ver e ver
Por todos os lados evitam nosso olhar
Evitam ouvir
Evitam saber que entre o céu e nosso lar há
somente a erva das sepulturas

4.
Quando viajo entre os terrenos baldios da memória
O que vejo são paisagens de sangue
Meu pai de olhos estalados
Solto de seu pescoço
A mãe justifica-se sobre a pedra
E os irmãozinhos saltam uns sobre os outros
como se nada tivesse acontecido

Vem os homens de preto com as capaz de lã,
Advogam a própria pele e o direito de usufruir
sobre as filhas dos pobres
Derramam sobre elas a lama da morte
Eia,
Aqui tudo é deste reino
Ninguém se confunde, ninguém teme os fins e o sincero
veio por onde escorre o veneno de todos conhecido
Minha mãe ri para mim do outro lado do inferno
Eu grito,
Mãe, o que fazes aí?
Ela apenas sorri
A dobrinha do sarcasmo não abandona seus olhos claros
Eu vejo que me acena com uma vara de vime e os
caniços à beira da água são de outro mundo
Digo-lhe, mãe, foste encerrada
Estas enganada
Estás com medo?
Repete-se a frase por muitos dias
E nenhuma resposta resvala daqueles olhos

5.
Há morte e luz nos dedos de Paris
Me faz acordar a noite toda e rever seus contornos
Para que não se vão.
Espero cativa de seus gestos
Dos sons que emanam de seus moveres
Silenciosos
Acordes
Levitam sobre meus pés os meus corpos todos,
todos os corpos que conhecem Paris
Todos os corpos que ameaçam fugir quando Páris não está
O que dizer a Paris para que fique e
colha a eternidade como sempre fez?
Antes que Maria Amélia recolha-os para o fim do mundo.

ausência


Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.
Carlos Drumond de Andrade

minha vida no campo


Por quase dois anos, no início dos anos 90 – lá no século passado -, morei em uma chácara no interior de São Paulo, na zona rural de Jacareí. Os vizinhos eram poucos e esparsos. Eu não tinha telefone; a televisão virou um móvel para apoiar objetos, já que, por ser um vale, não captava nenhuma imagem. Eu tinha uma vitrola, alguns discos e os meus livros. Entre estes, Kierkegaard, Nietzsche, Shopenhauer, Clarisse Lispector..., o que, convenhamos, não são lá leituras para, digamos, um “descanso no campo”. Alguns dos amigos que fiz por lá, não seriam, vamos assim dizer, as pessoas mais recomendadas para se levar para almoçar na casa da mãe num domingo. Por vezes, escutava uma trovoada de rojões, o que indicava que a encomenda dos meus amigos estava à disposição. Lembrando sempre do ditado “amigos, amigos, negócios à parte”, a minha estratégia era não misturar os negócios: eu contava umas histórias a eles que por vezes os divertiam; não consumia deles, nada que pudessem me fornecer, além de umas singelas cachacinhas, e tão pouco me colocava à disposição para ser um representante de vendas da promissora empresa. Dessa forma, e diante da minha franciscana vida, não me importunavam e, mais do que isso, estabeleciam ordens para ninguém me importunasse. Com a tranqüilidade conquistada e com sobra de tempo, cultivava hortaliças; revisava textos acadêmicos; capinava o mato; chupava manga coquinho no pé e, por vezes, rascunhava poemas, como este:


Primeiro Balanço

Após dois meses de exílio campestre,
nada se pode esperar.
Mudamos as roupas
por outras,
abertas e despretensiosas
os costumes
por outros, rupestres, como pintar à cal, pés de mangueira

Mudamos a relação com o tempo

Contamos as rúculas do quintal
como os homens místicos
que contam estrelas.

Não há lucidez no que fazemos.
Nem mesmo no tempo,
que por ser mais lerdo,
segura para si quase tudo que há:
as sementes que plantamos,
as palavras jogadas
e uma parcela do ar,
que engolimos.




Gê César de Paula


Veraneio Ijal, Jacareí, São Paulo, 18 de novembro de 1990.