terça-feira, 25 de outubro de 2016

pitacos da mostra 2016

Iniciou-se este semana a 40° Mostra Internacional de Cinema de São Paulo (link), o mais tradicional evento de cinema do Brasil. Estão sendo e serão exibidos mais de 300 filmes de 50 países. Há um forte viés político nesta Mostra com muitos diretores novos mas também com importantes retrospectivas, sobretudo do italino Marco Bellocchio e do polonês Andrzej Wajda, morto recentemente, mas também com a reapresentação do "Decálogo" de Kieslowski, de "Lucio Flávio, o passageiro da agonia", do Babenco e a homenagem dos 50 anos de "Persona" de Bergman.
Os Pitacos da Mostra é uma seção tradicional deste empório ( veja aqui) com comentários (e não necessariamente sinopses) brevíssimos dos filmes que vamos assistindo, neste que é um post dinâmico. ( Aqui todos as postagens do empório relacionadas ao cinema).

Tramontane, de Vatche Boulghourjian ( Líbano/França, 2016) - No mundo contemporâneo, em qualquer lugar dito civilizado, ter um registro de nascimento é a própria representação, ou possibilidade, da vida. Grande filme!

O Homem de Mármore, de Andrzej Wajda ( Polônia, 1976) - A Polônia de Hitler a Stalin. Clássico do diretor polonês que em 2008 fez a continuação com "O Homem de Ferro".

Poesia sem fim, de Alejandro Judorowsky (França/Chile, 2016) - Filme autobiográfico, Judorowsky revê o surreal e o grotesco da sua trajetória antes da chegada à Paris e o encontro com Fernando Arrabal. De perder o fôlego.

Um dia perfeito para voar, de Marc Recha ( Espanha, 2015) - uma pipa que se enrosca sempre nos arbustos. Tentativa de voo.

Aloys, Tobias Nöle ( Suiça/França, 2016) - A solidão cria os seus labirintos. Grande filme, à la David Lynch.

O Sol, o sol me cegou, de Anka Sasnal e Wilheim Sasnal (Polônia/Suiça, 2016) - Não há lugar no mundo. Sempre se é um estrangeiro, conforme já nos demonstrou Camus.

Porto, de Gabe Klinger ( EUA/França/Portugal, 2016 - Pequeno ( 87 min) grande filme. Com um roteiro que brinca com o tempo, uma noite que se instala na memória.

O caminho para Istambul, de Rachid Bouchareb ( Argélia/França/Bélgica, 2016) - Uma cacetada! "Vocês só querem os seus filhos enquanto nós, sírios, estamos morrendo". Uma fotografia terrível do mundo que inventamos.

O Violinista, de Bauddhayan Mukherji (India, 2016) - Um solo inspirado, dois desfechos possíveis. Outro pequeno (72 min) grande filme da ótima cinematografia indiana.

Futuro Perfeito, de Nele Wohlatz (Argentina, 2016) - Somos cada vez mais estrangeiros. Cinema experimental.

Ondas, de Grzegor Zariczny (Polônia, 2016) - A densidade dos desajustes se inicia na família.

Elle, de Paul Verhoeven(França/Alemanha, 2016) - Será que nos diferenciamos pelo grau de monstruosidades que cada um de nós carrega? Isabelle Huppert aceitou um papel de risco ao se associar a um Verhoeven que parece querer se livrar de Hollywood. Para uma França de Truffaut e Simone de Beauvoir, Elle parece como um ser estranho.

Somos todos estrangeiros, de Germano Pereira (Brasil/Síria, 2016) - Somos todos estrangeiros. Cada vez mais estrangeiros.

24 semanas, de Anne Zohra Berrached (Alemanha, 2016) - A questão sempre difícil do aborto e como as diferenças entre um país como Alemanha e outro como o Brasil se fazem presente. Um filme necessário. Infelizmente não pude ver o desfecho do filme, razão pela qual - só para este caso - sugiro a boa crítica de Luiz Santiago .

O Segredo da Câmara Escura, de Kiyoshi Kurosawa (França/Japão/Bélgica, 2016) - A realidade não pode ser fotografada. Uma instigante trama sobrenatural num filme essencialmente francês do japonês Kiyoshi Kurosawa.

David Lynch, a Vida de um Artista, de Rick Barnes (EUA, 2016) - Documentário sobre o enigmático diretor. Com começo, meio e fim.

Gurumbé.Canções de sua Memória Negra, de Miguel Ángel Rosales (Espanha, 2016) - Onde estão os negros de Sevilha?  E o Flamenco, qual a sua origem? Ótimo documentário sobre o tráfico negreiro.

Marie e os Náufragos, de Sebastian Barbeder (França, 2016) - Um escritor (por Eric Cantona. Sim, ele mesmo, Eric Cantona, o ex jogador), um sonâmbulo, um desempregado e ela, Marie ( a linda Vimala Pons). Une authentique comédie française.

Genco, o terrorista, de Esin Tepe ( Turquia, 2016) - . Documentário que trata da absurda condenação de Genco, após as manifestações em Gazi, em Istambul na Turquia. É perigoso viver.

A Vida na Fronteira  (Iraque/Síria, 2015) - A dor pode ser filmada. Não é um filme, é mais do que isso, razão da marcação com o destaque em vermelho. Deveria ser exibido em salas de aula pelo mundo afora. O diretor iraniano de origem curda Bahman Ghobaldi fornece a sua lente a oito crianças refugiadas em Kobani e Shangal na fonteira da Síria com o Iraque, para contarem elas mesmas as suas histórias como codiretoras. O resultado é tão emocionante quanto revoltante.  As crianças são: Basmeh Soleiman, Devlovan Kekha, Diar Omar, Hazem Khodeideh, Mahmod Ahmad, Ronah Ezzadin, Sami Hossein e Zohur Daeid.

Cameraperson, de Kirsten Johnson (EUA, 2016) - Uma câmera que procura imagens, seja na vida familiar, no cotidiano de uma parteira na Nigéria ou, sobretudo, nos horrores do mundo que a mídia ocidentalizada evita falar. Uma colcha de retalhos filmada durante 25 anos. Outro filme importante, num mundo em que até as comoções são seletivas.

Hide, de Mohamed Attia (Tunísia/Bélgica/França, 2016) - Hedi tem que tomar una decisão decisiva na sua vida. Não há dúvida quanto qual a melhor, menos para Hedi.

sábado, 22 de outubro de 2016

debate foucault e chomsky

Na postagem anterior, além do documentário "Requiem for the American Dream", colocamos um link sobre um interessante debate entre Foucault e Chomsky ocorrido em 1971. Naquela ocasião publicamos apenas um pequeno trecho que estava disponível. Colocamos agora o debate na íntegra com legendas em espanhol.

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

réquiem para um sonho americano

Noam Chomsky talvez seja hoje quem melhor faça a síntese do mundo que vivemos. Intelectual e ativista das grandes causas desde os anos 60, é a personagem do imprescindível documentário "Requiem for the American Dream" disponível no Netflix e também no Youtube de onde o fisgamos para publicarmos na íntegra logo abaixo. Lembramos ainda que este empório publicou em 2011 um debate entre Focault e Chomsky em 1971 na Holanda. Para ver clique aqui

terça-feira, 11 de outubro de 2016

50 anos ontem à noite - irajá menezes

50 ANOS ONTEM À NOITE
por Irajá Menezes
O cochilo no banco de trás do Fusca foi interrompido quando a voz, já naturalmente tonitruante, se elevou. O motorista parecia agitado: "Airto, pegue o lápis, anote um verso que eu acabei de pensar, senão vou esquecer". No banco do carona, o percussionista do grupo abriu o porta-luvas, encontrou o proverbial papel de embrulho que socorre os poetas longe de casa e tratou de registrar as redondilhas que Geraldo, mãos no volante, lhe ditava: prepare o seu coração... pras coisas que eu vou contar... eu venho lá do sertão... e posso não lhe agradar.
(continua em "mais informações")

domingo, 9 de outubro de 2016

uma (pequena) análise da conjuntura política

O momento político pelo qual passa o país não pode ser analisado restringindo-se apenas a uma análise sociológica das últimas eleições municipais e nem mesmo a uma análise fragmentada do golpe pelo qual passamos. Os dois episódios estão concatenados com toda uma construção muito bem arquitetada. Em maio último tocamos nesse tema na postagem a construção do golpe com o didático artigo de Maria Inês Nassif.
O último embate dos construtores do golpe desta etapa, não se encerra com a acachapante derrota das esquerdas no último domingo. Há ainda o objetivo central de tirar Lula do páreo e, para isso, as cartas serão jogadas com o baralho marcado que conhecemos. Mas esse é o último embate apenas desta etapa. Os setores conservadores tentarão com este êxito momentâneo que tiveram, sedimentar todo o caminho que os trouxeram até aqui e, para isso, contarão com o domínio da narrativa, esta que nasce e se perpetua no oligopólio da mídia nacional tão escandalosamente definida por suas escolhas políticas. A outra perna dessa sedimentação é o sistema jurídico que, de certa forma, já no seu nascedouro, fornece mais espaços para que a formação de juízes e desembargadores sejam das classes sociais mais abastadas, resultado da histórica desigualdade social brasileira. Neste momento da nossa história, a chamada "República de Curitiba" é o símbolo mais acabado do corpo jurídico que pretende definir os rumos do país.
Tanto a narrativa quanto as esferas jurídicas que temos, são fruto da ainda distante consolidação da nossa democracia como também dos rescaldos da bipolarização ideológica do mundo, encerrada, ou modificada, com a queda do Muro de Berlim. O que prevalece hoje no mundo é a cultura neoliberal (ou, para alguns, "pós-moderna") que atinge mais intensamente onde há maior vulnerabilidade das condições sociais das populações de países como o Brasil.
Em pelo menos 10 dos últimos 13 anos, o Brasil viveu uma condição de ascensão social que - é a crítica que se faz - criou consumidores mas não criou cidadãos. Mas construir a condição de cidadania demanda um tempo maior do que 10 ou 12 anos. E este tempo maior e necessário foi agora interrompido. Não é muito fácil que o indivíduo mais fragilizado compreenda que na seletividade do mundo neoliberal, ele largará sempre em desvantagem e será responsabilizado pelo seu eventual fracasso. Este campo é o da individualização do sucesso e do fracasso. Mas a cultura do neoliberalismo faz mais do que isso. Ela cria numa camada significativa da sociedade, indivíduos que tem como um bem, a projeção do sonho de consumo dos produtos das classes abastadas e, mais do que isso, o desejo íntimo de ser aquilo que ele não é. Isso talvez explique, em partes, a vitória de João Dória nas periferias de São Paulo. Há toda uma espetacularização arquitetada em torno do consumo. E isso se projeta como poeira em todas as camadas da sociedade.

Guy Debord escreveu o livro "A sociedade do espetáculo" em 1967 e impressiona como o livro é atual. Debord elabora teses onde a constituição da realidade se faz através de espetáculos. Através deles, é possível estabelecer a modificação e inversão de valores em intervenções nos âmbitos da ordenação cultural, econômica, política e social. Diz Debord que "...Toda a vida das sociedades em que dominam as condições modernas de produção aparece como uma imensa acumulação de espetáculos" e, em outro momento "(...) à medida que a necessidade se encontra socialmente sonhada, o sonho torna-se necessário. O espetáculo é o mau sonho da sociedade moderna acorrentada, que finalmente não exprime senão o seu desejo de dormir. O espetáculo é o guardião deste sono".
O espetáculo não cessará. As formas de enfrentá-lo, segundo Debord, devem se basear no enfrentamento da vida moderna. (Achei este interessante e sintético artigo escrito por José Aloise Bahia, que dá mais conta do trajeto pensado por Debord).

Por fim (ou por agora), vivemos um momento histórico em que penso ser imprescindível que as esquerdas tenham uma nova compreensão. Engana-se quem pense que o ataque dos setores conservadores - que se sintetiza no convênio jurídico-midiático -, é direcionado ao PT. É mais do que isso. Ele é direcionado, não tenhamos dúvidas, às esquerdas de uma maneira geral. No que se refere ao PT, é cortar a árvore. No que se refere ao Psol, por exemplo, é cortar o "mal" pela raiz. Essa compreensão é fundamental para que as esquerdas não sejam engolidas pelo buraco negro fabricado por esse convênio. A união das esquerdas é, mais do que um fundamento, uma razão (pós) moderna de existência.