quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

helena schopenhauer borges

Insones
Canto amaldiçoado em ré menor


Páris,
Como sofro longe dos teus olhos descansados
Eu viveria em teu túmulo
Se deixassem que eu fosse a terra a proteger teus ossos do frio.

Me guardam o dia todo dentro de um vaso de lama e moscas
voam ao meu redor


Guardaria teus olhos de vidro dentro de um copo de cristal
Olharia para eles todos os dias antes de dormir
Rezando atrás das vozes inéditas das borboletas

Choraria
Sabes bem que eles me trancaram longe de tudo o que posso ver
Nem a ti
Com quem me casaria
Em silêncio
E para sempre
hoje sonhei com tuas mãos abrindo a janela e vindo salvar
a tua amada.

1. Inventei um jeito de sair do tempo
Com o relógio da parede
Foi só arrancar os ponteiros
Estavam parados e era preciso limpar com força e vontade


Lavar cada número com um pano molhado
Não havia água e eu usei saliva
Não ficou muito limpo
Deu para apagar a memória

Era o mais importante

Agora que não tenho mais passado, terei futuro?

Desde que estou aqui com minha janela quadrada e
os que passam para todos os lados
o dia todo como loucos sei que estou fora do tempo

Quem ainda precisa disso?

2.

Maria Amélia está sobre as asas, barriga para cima, gorda e seca
E se pudesse me ver veria os olhos arregalados
As asas seriam mais leves
Eu esperaria sem vontade de sair

Do teu campo de visão
Entre uma parede e outra,
Entre os tijolos
O pó e o pó

3.

Disse-nos o homem que é ao pó que retornaremos
Eu não vou esperar o apocalipse
Não quero ver meus dentes sobre a terra
Nem a faca sobre o mármore explicando o fio de sangue
Não quero ver onde fui com os dedos apertados
esperando que me atendessem as preces
Eu que já acreditei em deus
Agora acredito nas múmias e nas cartas que dizem o futuro

E o escuro passa tapeando o meu campo de visão
As sementes do inverno acrescem-se de dízimos

Homens se mabarba vem despertar os não dormidos
É o tempo da noite
Que se planta e se resume a ver e ver
Por todos os lados evitam nosso olhar
Evitam ouvir
Evitam saber que entre o céu e nosso lar há
somente a erva das sepulturas

4.
Quando viajo entre os terrenos baldios da memória
O que vejo são paisagens de sangue
Meu pai de olhos estalados
Solto de seu pescoço
A mãe justifica-se sobre a pedra
E os irmãozinhos saltam uns sobre os outros
como se nada tivesse acontecido

Vem os homens de preto com as capaz de lã,
Advogam a própria pele e o direito de usufruir
sobre as filhas dos pobres
Derramam sobre elas a lama da morte
Eia,
Aqui tudo é deste reino
Ninguém se confunde, ninguém teme os fins e o sincero
veio por onde escorre o veneno de todos conhecido
Minha mãe ri para mim do outro lado do inferno
Eu grito,
Mãe, o que fazes aí?
Ela apenas sorri
A dobrinha do sarcasmo não abandona seus olhos claros
Eu vejo que me acena com uma vara de vime e os
caniços à beira da água são de outro mundo
Digo-lhe, mãe, foste encerrada
Estas enganada
Estás com medo?
Repete-se a frase por muitos dias
E nenhuma resposta resvala daqueles olhos

5.
Há morte e luz nos dedos de Paris
Me faz acordar a noite toda e rever seus contornos
Para que não se vão.
Espero cativa de seus gestos
Dos sons que emanam de seus moveres
Silenciosos
Acordes
Levitam sobre meus pés os meus corpos todos,
todos os corpos que conhecem Paris
Todos os corpos que ameaçam fugir quando Páris não está
O que dizer a Paris para que fique e
colha a eternidade como sempre fez?
Antes que Maria Amélia recolha-os para o fim do mundo.

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