Passada a eleição ficam os rescaldos. Muitas análises já foram feitas: as perspectivas do novo governo; o caminho que tomará a nova velha oposição e, sobretudo, como se darão as novas discussões que uma democracia de fato pressupõe.
Mas o vale-tudo desta campanha não pode, assim me parece, ser legado a um esquecimento a partir das apurações das urnas como se a campanha, e tudo que nela se disse, fosse um pretérito que se encerra nela mesma.
Rebaixar a possibilidade de discustir as grandes questões nacionais para trazer temas como a religião e o aborto, é reduzir a capacidade de formulação de idéias e assumir a irresponsabilidade de tratar uma campanha eleitoral como um fronte de guerra em que o inimigo deve ser derrotado seja de que forma for.
Nesta campanha, a religião foi desrespeitada na simbologia do que lhe é sagrado e, da mesma forma, a questão do aborto, que compõe tantas e tamanhas subjetividades, foi apenas objeto da matemática dos votos que o tema poderia render.
"Aborto", de fato, não foi discutido nesta campanha. E nem poderia, já que não é tema de ocasião eleitoral. Mas foi jogado na campanha como o pescador que, jogando a rede ao mar, só pensa nos rendimentos da sua ação.
Mas há discussões mais sérias. Lembro de um filme que discutiu a questão. O documentário "Uma história Severina", com direção e roteiro de Débora Diniz e Eliane Brum. O filme retrata o sofrimento de uma mulher que junto com seu marido, peregrinam pelo interior de Pernambuco buscando interromper a gestação de seu filho que já se sabia, anencéfalo. As diretoras intercalam o drama do casal com as falas proferidas pelo Ministro Cezar Peluso e o Procurador Geral da República Cláudio Fonteles, que impressionam pela junção da falta de sensibilidade e do conhecimento da realidade do país. Peluso diz: " Não me convence a circunstância de que o feto anencéfalo é um condenado à morte. Todos o somos. O sofrimento em si não é alguma coisa que degrade a dignidade humana" e Fonteles emenda em tom teatralmente emocional: " Não posso!Não posso, como ser humano, tirar a ilação de que o ventre materno, por ter um bebê anencéfalo, ali não há um ser vivo...Meu Deus!"
Abaixo, reproduzo a sinopse e o link do filme que tem duração de 25 minutos.
Severina é uma mulher que teve a vida alterada pelos ministros do Supremo Tribunal Federal. Ela estava internada em um hospital do Recife com um feto sem cérebro dentro da barriga, em 20 de outubro de 2004. No dia seguinte, começaria o processo de interrupção da gestação. Nesta mesma data, os ministros derrubaram a liminar que permitia que mulheres como Severina antecipassem o parto quando o bebê fosse incompatível com a vida. Severina, mulher pobre do interior de Pernambuco, deixou o hospital com sua barriga e sua tragédia. E começou uma peregrinação por um Brasil que era feito terra estrangeira - o da Justiça para os analfabetos. Neste mundo de papéis indecifráveis, Severina e seu marido Rosivaldo, lavradores de brócolis em terra emprestada, passaram três meses de idas, vindas e desentendidos até conseguirem autorização judicial. Não era o fim. Severina precisou enfrentar então um outro mundo, não menos inóspito: o da Medicina para os pobres. Quando finalmente Severina venceu, por teimosia, vieram as dores de um parto sem sentido, vividas entre choros de bebês com futuro. E o reconhecimento de um filho que era dela, mas que já vinha morto. A história desta mãe severina termina não com o berço, mas em um minúsculo caixão branco.
Mas o vale-tudo desta campanha não pode, assim me parece, ser legado a um esquecimento a partir das apurações das urnas como se a campanha, e tudo que nela se disse, fosse um pretérito que se encerra nela mesma.
Rebaixar a possibilidade de discustir as grandes questões nacionais para trazer temas como a religião e o aborto, é reduzir a capacidade de formulação de idéias e assumir a irresponsabilidade de tratar uma campanha eleitoral como um fronte de guerra em que o inimigo deve ser derrotado seja de que forma for.
Nesta campanha, a religião foi desrespeitada na simbologia do que lhe é sagrado e, da mesma forma, a questão do aborto, que compõe tantas e tamanhas subjetividades, foi apenas objeto da matemática dos votos que o tema poderia render.
"Aborto", de fato, não foi discutido nesta campanha. E nem poderia, já que não é tema de ocasião eleitoral. Mas foi jogado na campanha como o pescador que, jogando a rede ao mar, só pensa nos rendimentos da sua ação.
Mas há discussões mais sérias. Lembro de um filme que discutiu a questão. O documentário "Uma história Severina", com direção e roteiro de Débora Diniz e Eliane Brum. O filme retrata o sofrimento de uma mulher que junto com seu marido, peregrinam pelo interior de Pernambuco buscando interromper a gestação de seu filho que já se sabia, anencéfalo. As diretoras intercalam o drama do casal com as falas proferidas pelo Ministro Cezar Peluso e o Procurador Geral da República Cláudio Fonteles, que impressionam pela junção da falta de sensibilidade e do conhecimento da realidade do país. Peluso diz: " Não me convence a circunstância de que o feto anencéfalo é um condenado à morte. Todos o somos. O sofrimento em si não é alguma coisa que degrade a dignidade humana" e Fonteles emenda em tom teatralmente emocional: " Não posso!Não posso, como ser humano, tirar a ilação de que o ventre materno, por ter um bebê anencéfalo, ali não há um ser vivo...Meu Deus!"
Abaixo, reproduzo a sinopse e o link do filme que tem duração de 25 minutos.
Severina é uma mulher que teve a vida alterada pelos ministros do Supremo Tribunal Federal. Ela estava internada em um hospital do Recife com um feto sem cérebro dentro da barriga, em 20 de outubro de 2004. No dia seguinte, começaria o processo de interrupção da gestação. Nesta mesma data, os ministros derrubaram a liminar que permitia que mulheres como Severina antecipassem o parto quando o bebê fosse incompatível com a vida. Severina, mulher pobre do interior de Pernambuco, deixou o hospital com sua barriga e sua tragédia. E começou uma peregrinação por um Brasil que era feito terra estrangeira - o da Justiça para os analfabetos. Neste mundo de papéis indecifráveis, Severina e seu marido Rosivaldo, lavradores de brócolis em terra emprestada, passaram três meses de idas, vindas e desentendidos até conseguirem autorização judicial. Não era o fim. Severina precisou enfrentar então um outro mundo, não menos inóspito: o da Medicina para os pobres. Quando finalmente Severina venceu, por teimosia, vieram as dores de um parto sem sentido, vividas entre choros de bebês com futuro. E o reconhecimento de um filho que era dela, mas que já vinha morto. A história desta mãe severina termina não com o berço, mas em um minúsculo caixão branco.
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