domingo, 29 de dezembro de 2013

jango e a história fabricada

Em 1964 os maiores grupos de comunicação do país vociferavam contra o governo João Goulart, propagandeando a cisão entre a opinião pública e o governo. Entretanto, pesquisas da época - engavetadas - diziam exatamente o contrário. O historiador Luiz Antônio Dias, que prepara um livro sobre o tema, concedeu entrevista à Carta Capital em novembro último destrinchando este lado até então oculto da nossa história.

O jornalista Luis Nassif tratou também do assunto no seu blog em texto que reproduzimos abaixo:



A primeira vez que ouvi falar nas pesquisas do Ibope sobre o governo Jango foi em um congresso da Wapor (a associação latino-americana de pesquisas de opinião) em Belo Horizonte. Participei de um debate sobre o novo papel dos blogs junto à opinião pública. Um dos papers apresentados mencionava dados gerais da pesquisa, localizada nos arquivos que o Ibope doou à Unicamp.
Nesta semana, na Carta Capital, há uma entrevista de Rodrigo Martins com o historiador Luiz Antônio Dias sobre as pesquisas. Os números são impressionantes:(continua em "mais informações")

· Em junho de 1963, Jango era aprovado por 66% da população de São Paulo, desempenho superior ao do governador Adhemar de Barros (59%) e do prefeito Prestes Maia (38%).
· Pesquisa de março de 1964 revela que, caso fosse candidato no ano seguinte, Goulart teria mais da metade das intenções de voto na maioria das capitais pesquisadas. Apenas em Fortaleza e Belo Horizonte, Juscelino Kubitschek tinha percentuais maiores
· Havia amplo apoio à reforma agrária, com um índice superior a 70% em algumas capitais.
· Pesquisa na semana anterior ao golpe, realizada em São Paulo a pedido da Fecomercio, apontava que 72% da população aprovava o governo Jango.
·  Entre os mais pobres a popularidade alcançava 86%.
· 55% dos paulistanos consideravam as medidas anunciadas por Goulart no Comício da Central do Brasil, em 13 de março, como de real interesse para o povo.
· Entre as classes A e B, a rejeição a Goulart era um pouco maior em 1964. Ao menos 27% avaliavam o governo como ruim ou péssimo na capital paulista.
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É o mais contundente documento até agora divulgado sobre o desproporcional poder político dos grupos de mídia na democracia brasileira e latino-americana no século 20.
Quase todas as ditaduras latino-americanas foram implementadas por meio de golpes de Estado legitimados por um suposto apoio da opinião pública. E esse apoio era medido exclusivamente pelo volume de notícias veiculados nos grupos de mídia, e pela mobilização que conseguiam em algumas classes sociais. Um enorme espectro da opinião pública passava ao largo desse jogo restrito.
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Depois da redemocratização, houve vários golpes de Estado institucionalizados no continente, não apenas contra governos ditos de esquerda - como o fracassado golpe contra o venezuelano Hugo Chávez - como contra governos tidos como de direita - Fernando Collor, no Brasil, Carlos Andrés Perez, na Venezuela.
Em todos os episódios, juntavam-se interesses contrariados de grupos políticos e de grupos de mídia. Levantavam-se denúncias sólidas ou meros factoides, criava-se a atoarda, passando a sensação de que a maioria da opinião pública desejava a queda do governante.
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O ponto mais relevante das pesquisas do Ibope é mostrar que a chamada opinião pública midiática sempre foi um segmento minoritário indo a reboque de uma aliança que incluíam os grupos, alguns partidos conservadores e alguns interesses do grande capital.
Esse modelo, que domina o debate econômico e político em todo século 20, chega ao fim com o advento das redes sociais.

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