terça-feira, 11 de novembro de 2014

o perigo da intolerância pós-eleitoral

Sobre inércia e intolerância pós-eleitoral

Por Hudson Luiz Vilas Boas
No blog Dissolvendo no ar
Reproduzido também no blog do nassif
"Um dia vieram e levaram meu vizinho que era judeu. Como não sou judeu, não me incomodei. No dia seguinte, vieram e levaram meu outro vizinho, que era comunista. Como não sou comunista, não me incomodei.". Mas "no quarto dia vieram e me levaram. Já não havia ninguém para reclamar".
(Martin Niemoler)
Ao ler a famosa frase do pastor luterano nascido na Alemanha e testemunha dos horrores da Segunda Guerra Mundial, simplesmente não dá para ficarmos calados diante da onda de ódio, preconceito e intolerância que toma conta de alguns setores ditos “politizados” do Brasil. Escolhermos nos calar nesse instante, significa pecarmos por omissão diante do monstro que aos poucos vai sendo fomentado por uma elite que se recusa a repartir até migalhas, quanto mais construir uma sociedade minimamente civilizada e que faça jus, ao menos, de ser chamada de democrática.
Estou lendo com muita atenção a obra recém lançada do filósofo francês Jacques Rancière“Ódio à Democracia” e é incrível perceber o quanto a conquista de direitos por minorias – entendamos por minoria os oprimidos política, cultural e economicamente – traz consigo a intolerância daqueles que antes detinham determinados privilégios.
Temos vivido isso nessas primeiras semanas pós eleições. Na verdade uma certa onda de intolerância e preconceito já nos ronda bem antes da campanha desse ano. Quem não se lembra da frase recheada de preconceitos jactada por Jorge Bornhausen em 2005? Naquela oportunidade o então senador pelo PFL de Santa Catarina expôs o sentimento de muitos dos seus confrades ao se referir ao PT, seus membros e simpatizante como “raça” – “Vamos acabar com essa raça. Vamos nos ver livres dessa raça por pelo menos 30 anos”.
(segue em "mais informações")

No entanto, após promulgado o resultado da última eleição presidencial em que sagrou-se vencedora a presidenta candidata a reeleição, todo e qualquer pudor foi prontamente deixado de lado e foram retirados do armário esqueletos de intolerância, ódio e preconceito. O fascismo deixou de ser apenas flertado por parte de nossa “elite” e foi assumido sem nenhum rubor. Os militares chamados de volta e o Brasil, do dia para a noite, se converteu numa república bolivariana, comunista, soviética...
Nesse contexto pobres, negros, mulheres, militantes dos mais diversos movimentos sociais, sindicalistas, homossexuais, defensores dos direitos humanos, mas sobretudo nordestinos (esses nos últimos dias ganharam a companhia de cariocas e mineiros) passaram a ser tratados como escória da humanidade e sujeitos incapazes de participar de forma plena da sociedade, tendo que ser constante e permanentemente tutelados. Todo esse “povo” que faz parte da sociedade brasileira, na visão elitista forma um grupo de preguiçosos, indolentes, inaptos, idiotas que se vendem em troca dos parcos benefícios oriundos dos programas sociais financiados pelos exorbitantes impostos pagos por quem realmente trabalha, mas é massacrado diuturnamente pela presença do Estado aparelhado pela camorra que dele se apropriou há 12 anos. Portanto, nada mais justificável do que, por exemplo, chamar nordestinos de antas, mineiros de burros e ao mesmo tempo clamar para que uma intervenção militar livre o Brasil desse governo corrupto bolivariano, comunista, soviético...
É essa visão preconceituosa, divorciada de qualquer nexo com a realidade, difusora do discurso do ódio, da intolerância e do autoritarismo que somos obrigados a combater se quisermos de fato avançar na construção de uma sociedade mais justa, mais igual, mais democrática. Se quisermos de fato sairmos do atual estágio de democracia meramente formal para alcançarmos aquilo C. B. Macpherson chama de democracia substancial. Democracia substancial é justamente aquela cujos poderes transpassam a esfera das instituições estatais e torna a sociedade civil organizada sua co-protagonista. Infelizmente não conseguiremos chegar a tanto enquanto parte de nossa sociedade preferir viver na Idade das Trevas ao invés do século XXI.
Ontem eu estava lendo um artigo dedicado a contar um pouco da história do Partido Operário Social Democrata da Suécia e seus ininterruptos e incríveis 40 anos no poder. Não dá pra comparar Suécia com Brasil e menos ainda o sistema parlamentarista dos escandinavos com nosso presidencialismo torto. Mas o que achei interessante é que em muitos momentos houve na Suécia um consenso entre governo e oposição em torno de temas que mudariam a face da sociedade sueca. Como pensar em algo assim no Brasil quando o partido que perde uma eleição sequer reconhece sua derrota? Pior, acaba com isso incitando (diretamente ou não) o clima de nós contra eles, de Brasil dividido por conta do mapa eleitoral.
Pena, ainda estamos anos-luz de sermos uma sociedade minimamente civilizada. Ainda falta muito para termos uma sociedade na qual haja uma defesa intransigente das liberdades individuais e radical dos direitos coletivos.

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