A fraude jornalística
da Folha é ainda pior: surgem novas evidências
Glenn Greewald e Erick Dau
Glenn Greewald e Erick Dau
·
Dados de pesquisa ocultados pela Folha mostram
que a grande maioria dos eleitores quer a renúncia de Temer, o que contradiz
categoricamente a matéria da Folha
· 62% dos brasileiros querem a renúncia de Dilma e Temer, e a realização de novas eleições: ao contrário dos 3% inicialmente mencionados pela Folha
· Dados cruciais da pesquisa foram publicados e, em seguida, retirados do ar pelo datafolha: encontrados por portal brasileiro
· Resposta do Diretor Executivo da Folha de São Paulo de que os dados ocultados não eram “jornalisticamente relevantes” não resiste a análise
· 62% dos brasileiros querem a renúncia de Dilma e Temer, e a realização de novas eleições: ao contrário dos 3% inicialmente mencionados pela Folha
· Dados cruciais da pesquisa foram publicados e, em seguida, retirados do ar pelo datafolha: encontrados por portal brasileiro
· Resposta do Diretor Executivo da Folha de São Paulo de que os dados ocultados não eram “jornalisticamente relevantes” não resiste a análise
NA QUARTA-FEIRA (20), a Intercept publicou um artigo
documentando a incrível “fraude jornalística” cometida pelo
maior jornal do país, Folha de São Paulo, contendo uma
interpretação extremamente distorcida das respostas dos eleitores à pesquisa
sobre a crise política atual. Mais especificamente, aFolha –
em uma manchete que chocou grande parte do país – alegava que 50% dos
brasileiros desejavam que o presidente interino, e extremamente impopular,
Michel Temer, concluísse o mandato de Dilma e continuasse como presidente até
2018, enquanto apenas 3% do eleitorado era favorável a novas eleições, e apenas
4% desejava que Dilma e Temer renunciassem. Isso estava em flagrante desacordo
com pesquisas
anteriores que mostravam expressivas maiorias em oposição a
Temer e favoráveis a novas eleições. Conforme escrevemos, os dados da pesquisa
– somente publicados dois dias depois pelo instituto de pesquisa da Folha –
estavam longe de confirmar tais alegações.
( continua em "mais informações")
( continua em "mais informações")
Depois da publicação de nosso
artigo, foram encontrados ainda mais indícios – através de um trabalho
colaborativo incrível de verdadeiros detetives da era digital – que revelam a
gravidade da abordagem da Folha, incluindo a descoberta de um
legítimo “smoking gun” comprovando que a situação eramuito
pior do que achávamos quando publicamos nosso artigo ontem. É
importante não deixar que o aspecto estatístico e metodológico encubra a
importância desse episódio:
Semanas antes da conclusão do
conflito político mais virulento dos úlitmos anos – a votação final do
impeachment de Dilma no Senado Federal – aFolha, maior e mais
importante jornal do país, não apenas distorceu, masefetivamente escondeu,
dados cruciais da pesquisa que negam em gênero, número e grau a matéria
original. Esses dados demonstram que a grande maioria dos brasileiros desejam a renúncia de
Michel Temer, e não que o “presidente interino” permaneça no
cargo, como informado pelo jornal. Colocado de forma simples, esse é um
dos casos de irresponsabilidade jornalística mais graves que se pode imaginar.
A desconstrução completa da
matéria da Folha começou quando Brad Brooks, Correspondente
Chefe da Reuters no Brasil, observou uma
enorme discrepância: enquanto a Folha anunciava em
sua capa que apenas 3% dos brasileiros queriam novas eleições e que 50%
queria a permanência de Temer, o instituto de pesquisa do jornal,
Datafolha, havia publicado um comunicado à
imprensa com os dados da pesquisa anunciando que 60%
dos brasileiros queriam novas eleições. Observe essa impressionante
contradição:
Como isso é possível? Nós
entramos em contato com o Datafolha imediatamente para esclarecer a dúvida, mas
como grande parte dos veículos de comunicação já havia lido nosso artigo e o
assunto havia se tornado uma controvérsia nacional, o instituto se recusou a se
manifestar. Eles simplesmente não queriam nos explicar a natureza da
discrepância.
Mas essa revelação levou a
outro mistério: nos dados e perguntas complementares publicados pelo Datafolha,
não havia nenhuma informação mostrando que 60% dos brasileiros eram favoráveis
a novas eleições, como dizia um dos enunciados da pesquisa do instituto. Parecia
evidente que o Datafolha havia publicado apenas algumas das perguntas
feitas aos entrevistados. Apesar das perguntas estarem numeradas, o
documento contava apenas com as perguntas 7-10, 12-13 e 21. Isso não é
necessariamente incomum ou incorreto (jornais tendem a omitir perguntas sobre
tópicos menos relevantes ao publicar uma reportagem), mas era estranho que
nenhuma das perguntas publicadas pelo Datafolha confirmasse ou tivesse relação
com a afirmação do enunciado da pesquisa. De onde, então, saiu essa
informação – 60% – que contradiz a reportagem de primeira página da Folha?
A resposta veio através do excelente
esforço investigativo de Fernando Brito do site Tijolaço.
Primeiro, a equipe do site observou que o endereço URL do
documento do Datafolha com os dados e
perguntas complementares à pesquisa que foi publicado na
segunda-feira – documento citado em nosso artigo original mostrando que a
manchete da Folha era falsa – terminava em “v2”, ou seja, era
a segunda versão do documento publicado pelo Datafolha. A equipe procurou a
versão original, mas não foi possível encontrá-la no sitedo
instituto. Eles começaram a tentar adivinhar o endereço URL da versão original,
até que acertaram. Embora a versão original tivesse sido retirada do ar pelo
Datafolha, ainda se encontrava nos servidores do instituto, e ao acertar o
endereço URL correto o Tijolaço teve acesso ao documento.
O que foi encontrado na versão
original do documento – aparentemente retirada do ar de forma discreta
pelo Datafolha – é de tirar o fôlego. Ficou comprovado que a matéria da Folha era
uma fraude jornalística completa. A pergunta 14, encontrada na versão original,
dizia:
“Uma situação em que poderia
haver novas eleições presidenciais no Brasil seria em caso de renúncia de Dilma
Rousseff e Michel Temer a seus cargos. Você é a favor ou contra Michel Temer e
Dilma Rousseff renunciarem para a convocação de novas eleições para a
Presidência da República ainda neste ano?”
Os dados não publicados pelo
Datafolha mostram que 62% dos brasileiros são favoráveis à renúncia de
Dilma e Temer, e à realização de novas eleições, enquanto 30% são
contrários a essa solução. Isso significa que, ao contrário da afirmação da Folha de
que apenas 3% querem novas eleições e 50% dos brasileiros querem a permanência
de Temer como presidente até 2018 – ao menos 62% dos brasileiros, uma ampla
maioria, querem a renúncia imediata de Temer.
A situação é ainda pior
para a Folha (e Temer): a porcentagem de eleitores que deseja
a renúncia imediata de Temer é certamente muito maior do que esses 62%. A
pergunta colocada pelo Datafolha era se os entrevistados eram favoráveis à
renúncia de Temer /e Dilma/. Muitos dos que responderam “não” – conforme
demonstrado pelos detalhes dos dados – são apoiadores do PT e/ou querem Lula
como presidente em 2018, o que significa responderam que “não” porque querem
que Dilma retorne, e não porque querem a permanência de Temer. Portanto –
conforme concluído pelo
Ibope em abril – apenas uma minoria dos eleitores querem Temer
como presidente: exatamente o oposto da “informação” publicada pela Folha.
Essa não foi a única
informação ausente que o Tijolaço descobriu quando encontrou a
primeira versão dos dados publicados. Como explicam de
maneira detalhada, havia dois parágrafos inteiros escritos pelo
DataFolha resumindo os dados das respostas que também foram removidos da
segunda versão publicada, inclusive a seguinte frase: “a maioria (62%)
declarou ser a favor de uma nova votação para o cargo de presidente”
A equipe também
descobriu uma pergunta não revelada – a pergunta 11 – que é
provavelmente a mais favorável a Dilma e foi completamente omitida pela Folha.
O DataFolha perguntou:
“Na sua opinião, o processo de
impeachment contra a presidente Dilma Rousseff está seguindo a regras
democráticas e a Constituição ou está desrespeitando as regras democráticas e a
Constituição?”
Apenas 49% disseram que o
impeachment cumpre as regras democráticas e respeita a Constituição, enquanto
37% disseram que não. Como a Folha pode omitir este dado tão
surpreendente e importante quando, supostamente, quer descrever a visão
dos eleitores sobre o impeachment?
Ontem, a Folha publicou uma “notícia” sobre o que
chamou de “controvérsia” provocada por nosso artigo. O jornal se esquiva
e, em muitos casos ignora a maioria destas questões importantes.
O artigo confirma que, ao
contrário de sua afirmação anterior de que apenas 3% dos brasileiros querem
novas eleições, “a porcentagem de favoráveis a novas eleições, no entanto, sobe
para 62% nas respostas estimuladas, ou seja, quando o instituto pergunta explicitamente”.
E incluiu as duas perguntas que havia mantido em segredo: uma demonstrando que
a maioria quer a saída de Temer, e outra mostrando uma expressiva minoria que
vê o impeachment como uma violação da democracia (a Folha deixou
de mencionar que estes novos dados, na verdade, haviam sido publicados
anteriormente pelo Tijolaço).
No entanto, o jornal insistiu
que não havia nada de errado em esconder esses dados. Publicaram uma citação do
próprio editor executivo, Sérgio Dávila, argumentando que é “prerrogativa da
Redação escolher o que acha jornalisticamente mais relevante no momento em que
decide publicar a pesquisa”. Dávila insistiu que “o resultado da questão sobre
a dupla renúncia de Dilma e Temer não nos pareceu especialmente noticioso, por
praticamente repetir a tendência de pesquisa anterior e pela mudança no atual
cenário político, em que essa possibilidade não é mais levada em conta.”
Não se pode subestimar a
desonestidade dessa resposta e quanto o editor executivo da Folha conta
com a ingenuidade de seus leitores. O maior absurdo da reportagem da Folha foi
dizer que o país deseja a permanência de Temer como presidente até 2018 e
apenas uma pequena porcentagem quer novas eleições. Mas, ao mesmo tempo em que
publicava isso, a Folhatinha em mãos os dados que provam que essas
afirmações eram 100% falsas, mostrando que, na realidade, o oposto era
verdadeiro. A grande maioria dos brasileiros querem que Temer saia do poder, e
não que o interino permaneça como presidente. E uma expressiva maioria, não uma
parcela ínfima, quer novas eleições.
Nenhuma das desculpas de Dávila
resiste sequer ao menor questionamento. Se é jornalisticamente irrelevante
saber a porcentagem de brasileiros favoráveis a novas eleições, por que a Folha encomendou
a pergunta? Se essa pergunta sobre novas eleições é irrelevante, por que esse
dado foi não apenas incluído, mas proeminentemente destacado pelo
Datafolha no título do relatório original? Por que, se esse dado é irrelevante,
o Datafolha o publicou originalmente e depois o retirou do ar em
nova versão que excluía essa informação? E como esse dado pode ser
considerado jornalisticamente irrelevante pela Folha quando
ele contradiz diretamente as afirmações alardeadas na
capa do jornal e, em seguida, reproduzidas pelos maiores jornais do
país?
Outros meios de comunicação
também consideraram esses dados relevantes. Ontem à noite, a edição brasileira
do El País publicou um artigo de destaque com a manchete: “62% apoiam novas
eleições, diz dado que Datafolha publica agora”. O El País aborda o ocorrido
tanto como um escândalo jornalístico, quanto político, descrevendo como a Folha escondeu
esses dados até serem encontrados em consequência de nosso artigo. O jornal
também publicou outra matéria citando especialistas que corroboraram as
posições de nossos entrevistados, criticando veementemente a Folha pelo
uso impróprio dos dados da pesquisa.
Fica extremamente óbvio o que
realmente aconteceu: a Folha de São Paulo fez alegações falsas sobre as
questões políticas relevantes do país e, além disso, sabiam que eram falsas
quando as publicou. A Folha tinha em mãos os dados que comprovam a falsidade
das alegações, mas optou por efetivamente escondê-las de seus leitores. Ou
melhor, alguém decidiu por tentar retirá-los da Internet.
O mais surpreendente é que todo
esse esforço foi feito para negar o desejo de democracia: fazendo o país
acreditar que a maioria dos brasileiros apoiam a figura política que tomou o
poder de forma antidemocrática e que não há necessidade de realizarem-se novas
eleições, quando a verdade é que a maioria do país quer a renúncia do
“presidente interino” e a realização de novas eleições para escolha de um
presidente legítimo.
Conforme dissemos ontem, é
impossível estabelecer se a Folha agiu de forma proposital com
o intuito de enganar seus leitores ou com extrema incompetência e negligência
jornalísticas – embora as evidências sugerindo aquela possibilidade sejam mais
abundantes hoje que ontem. Motivos à parte, é indiscutível que a Folha
essencialmente enganou seus leitores no que diz respeito a questões políticas
cruciais e escondeu provas fundamentais apenas publicadas após serem pegos em
flagrante.
Traduzido por Inacio Vieira
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