Este foi um período que ficará marcado como um dos mais tenebrosos na história do nosso jornalismo. Um período em que alguns dos mais elementares princípios da ética jornalistica foram olimpicamente desrespeitados em favor de uma campanha que tinha como objetivo a derrubada de um governo. Vera Guimarães teve, assim, farto material para apontar esse desvirtuamento do nosso jornalismo mas optou pela omissão, por críticas sobre assuntos periféricos, ou, muitas vezes, pela defesa do jornal. A tarefa hoje cabe à Paula Cesarino Costa que está na Folha desde 1987. Vamos aguardar.
Mas esta postagem tem o objetivo de reproduzir o artigo do jornalista Mário Vitor Santos que foi, este sim, um dos maiores ombudsmans que passaram pela Folha. O texto é devastador e imperdível para quem queira analisar o nosso jornalismo tupiniquim. Foi publicado na Folha na seção Tendências/Debates no dia 18/05. Vamos a ele.
Apocalipse do jornalismo
A ruptura
institucional em via de ser completada no Brasil é resultado direto da
degradação do jornalismo posto em prática por quase todos os meios de
comunicação no país. Os cuidados éticos foram sacrificados a tal ponto que o
jornalismo promove a derrubada de uma presidente até agora considerada honesta.
Jornalismo
deve informar os fatos de pontos de vista diferentes e contrários, encarnar
ideias em disputa, canalizar o entrechoque de versões, sublimar antagonismos.
Veículos
brasileiros, ao contrário, quase todos em dificuldades financeiras e assediados
pelos novos hábitos do público, uniram esforços na defesa de uma ideia única.
Compactaram-se em exageros, catastrofismo e idiossincrasias. Agruparam-se de um
lado só da balança, fortes para nocautear um governo, mas fracos para manter
sua própria razão de existir, a autonomia.
(continua em "mais informações")
Poderia
ser diferente. As denúncias de corrupção da Operação Lava Jato deveriam mesmo
merecer toda a atenção de uma imprensa aguerrida. Deveriam mobilizar controles
e cuidados na mesma proporção. No entanto, se a justiça da Lava Jato tem alvo
preferencial, o jornalismo não deveria ter. Quem defende o equilíbrio quando
justiça seletiva e jornalismo discricionário se fundem?
Normas e
técnicas jornalísticas não são meros enfeites para códigos ou lições esquecidas
nos bancos da escola. São peças essenciais para a sobrevivência da democracia.
Na Lava Jato, o que deveria motivar uma custosa operação de checagem
independente e edição autônoma derivou numa repetição inglória dos piores
momentos do jornalismo do passado. A audição generosa e justa do chamado outro
lado das denúncias, tanto na apuração das informações como em sua edição, não
existiu.
O abuso de
reportagens baseadas exclusivamente em fontes mantidas em sigilo tornou-se a
regra. Vazamentos com objetivo manipulatório foram a tônica. Quando informações
em "off" dão as cartas e o outro lado é uma formalidade, o jornalismo
não existe senão como contrafação.
O que foi
feito do esforço de convivência de tantos profissionais de ponta com outras
culturas jornalísticas mais avançadas, tolerantes e variadas? Onde estão as
intenções de controle técnico, equidistância, sobriedade e isenção?
Os
ombudsmans, os rigores autonomistas das técnicas de investigação independentes
e as autocríticas não serviram para nada. Virou pó o empenho de ao menos uma
geração de profissionais para que o jornalismo, depois do infame apoio
majoritário ao golpe de 1964, viesse a seguir melhores padrões.
Não pode
haver fracasso maior para quem ao longo dos anos aspirou a se legitimar como
instituição pilar de uma jovem democracia. Veículos de mídia cederam ao
populismo que inflama os ódios de classe e leva o país a vivenciar mais um
golpe contra as instituições.
Fica para
conferir se a mídia terá no governo Temer a mesma obsessão higienizadora e
incriminatória que exibe contra a ordem petista.
Já se diz
que a queda do governo Dilma marca o ocaso do arranjo democrático da
Constituição de 1988. Corporifica também o fim do breve ensaio de jornalismo
surgido no bojo do movimento que levou à Nova República.
Parodiando
o poema trágico de Murilo Mendes, essa mídia nativa, em busca da sobrevivência,
nasceu para a catástrofe.
MARIO
VITOR SANTOS é jornalista. Na Folha, foi diretor da sucursal de
Brasília, secretário de Redação e ombudsman (1991-93 e 97). É mestre em drama
antigo pela Universidade de Exeter (Inglaterra) e doutor em letras clássicas
pela USP
4 comentários:
Eu ia dizer que o artigo é contundente. Mas é mais do que isso: ele carrega a tragédia de uma verdade incontestável mas que, tragédia maior, não é contestada porque a comunicação do país à elite pertence. É um nó que não desata.
Perfeita a postagem. Compartilhei já com os amigos.
É de fato uma tragédia Eliana. Enquanto tivermos meia dúzia de famílias comandando a comunicação do país e com um pensamento e interesses comuns, nesse que é um oligopólio, continuaremos sujeitos a vivermos tragédias como essa.
Ok caro Antonio, obrigado e um abraço!
Postar um comentário