terça-feira, 11 de julho de 2017

a tragédia brasileira

Talvez a questão ou a pergunta central hoje é: "como chegamos nesta situação?"
A história do Brasil se mistura com a construção histórica de colonização pela qual passa e, de uma certa forma continua passando, a América Latina.
As cercas que foram sendo instaladas no continente, arquitetaram uma dominação hereditária moldada pela perpetuação e, por isso, as classes dominantes sempre se eriçaram quando ameaçadas, usando as forças compatíveis para cada ameaça. O resultado foram os inúmeros golpes de estado perpetrados, muitos deles de forma sanguinária. Os golpes hoje têm caráter diferente. Não são mais necessários os tanques dos exércitos nas ruas (para lembrar de um artigo premonitório de 2012, o risco que corremos). É o que acontece no Brasil neste momento de rompimento do processo de construção da democracia que vínhamos exercitando. E o rompimento se deu não porque tivesse havido uma ameaça que pudesse mudar a propriedade do capital. Nem tão pouco um pequeno abalo sísmico nessa propriedade fazia parte do roteiro. De 2003 a 2014 o país apenas deu uma guinada civilizatória; um olhar novo, que apontava para as classe sociais que mais necessitavam, e esse desvio do olhar passou a chamar a atenção e incomodar os hereditários donos do poder. Pobres tendo mais dignidade, negros sendo inseridos, indígenas sendo respeitados, mulheres exercendo posições de comando, questões de gênero sendo discutidas com respeito. É tudo que os donos do poder não admitem. E pouco importa se a economia cresceu barbaramente. Se as suas empresas venderam como nunca. Se o desemprego desapareceu. O que eles não queriam e não querem é que o sumo desse crescimento seja melhor distribuído, ainda que isso não altere em nada as suas fortunas. O que não aceitam é que, ainda que timidamente, os dos andares de baixo vislumbrem alguma possibilidade de se colocarem em espaços aos quais a eles não foram destinados. Os aeroportos se estabeleceram, no período, como locais do simbolismo do incômodo. Por definição histórico-elitista, aos serviçais a rodoviária ou, nos aeroportos, apenas na condição de serviçais.
Aos donos hereditários do poder não importa que o Brasil seja respeitado no hemisfério norte. Preferem o vexame da sua elite representada ao sucesso, se este vier de um representante com a cara do povo.
(segue em "mais informações")



Nesses quase 13 anos, o país vislumbrou algo maior. Não havia, é bem verdade, um projeto de nação. Erros fundamentais foram cometidos. Pelo menos pode-se estabelecer uma tríade deles. Engavetou-se já em 2003, aquilo que era parte importante do programa do governo eleito: a auditoria daquilo que o governo anterior havia nomeado, malandramente, de "privatização". A questão não é de se discutir aqui, o caráter ideológico, de menos o mais Estado. A questão é que, tecnicamente, não houve privatização. Houve outra coisa, e precisava ser apurado. E isso tudo acabou sendo assimilado por aquilo que se convencionou chamar de "governabilidade". A outra ponta da tríade é um debate que foi arquivado e que também fazia parte do programa do governo que era um Marco Regulatório da Mídia, que na mega discussão de Cultura de 1994 - "Os Estados Gerais da Cultura" - era chamado de "democratização dos meios de comunicação". O terceiro ponto foi o corrente negligenciamento da área jurídica. A grande responsabilidade do governo eleito era com a defesa da implementação das políticas públicas e das políticas macro e não com a eleição da Associação Nacional dos Procuradores Públicos. A escolha, tanto do Procurador Geral da República quanto dos ministros do STF pode e deve ser tão ética quanto política, no melhor entendimento que a palavra "política" pode ter. O governo do PT não entendeu essa questão.
Esses erros apontados na condução do processo democrático, se não tivessem sido cometidos, não alteraria o curso do ataque dos donos hereditários do poder, mas esses flancos abertos definiram as ações que resultaram no golpe.

GUERRA

É necessário sermos diretos. Está em curso no nosso país golpeado, não só o desmonte do país, mas a tentativa de destruição das ferramentas que possibilitam a retomada do processo interrompido. O programa que está sendo implantado é o programa que perdeu as últimas quatro eleições. Em um  momento de estado de exceção como o que vivemos, o controle da linguagem é um dos elementos fundamentais e a mídia oligopolizada define a narrativa. Peter Pal Pelbart no seu artigo "Estamos em guerra" ( publicado em outras palavras ) aponta que:
"Estamos em guerra. Guerra contra os pobres, contra os negros, contra as mulheres, contra os indígenas, contra os craqueiros, contra a esquerda, contra a cultura, contra a informação, contra o Brasil. A guerra é econômica, política, jurídica, militar, midiática. É uma guerra aberta, embora denegada; é uma guerra total, embora camuflada; é uma guerra sem trégua e sem regra, ilimitada, embora queiram nos fazer acreditar que tudo está sob a mais estrita e pacífica normalidade institucional, social, jurídica, econômica. Ou seja, ao lado da escalada generalizada da guerra total, uma operação que a abafa em escala nacional. Essa suposta normalização em curso, essa denegação, essa pacificação pela violência — eis o modo pelo qual um novo regime esquizofrênico parece querer instaurar sua lógica, em que guerra e paz se tornam sinônimos, assim como exceção e normalidade, golpe e governabilidade, neoliberalismo e guerra civil. Nada disso é possível sem uma corrosão da linguagem, sem uma perversão da enunciação, sem uma sistemática inversão do valor das palavras e do sentido do próprio discurso, cujo descrédito é gritante."

A tragédia brasileira é assim: ela penetra por vezes escancarada; por vezes camuflada, mas é sempre, assim, fabricada. A luta para combatê-la é dura, mas tem que ser feita. As derrotas devem ser entendidas não assimilada. Pelbart finaliza: "se cada dia parecemos mais vencidos, a derrota tem uma vantagem: ela nos força a pensar de outra maneira. É preciso fazer do pensamento uma conspiração cotidiana, uma insurgência indomável".
Por aqui, por enquanto, ficamos.


6 comentários:

Lengo D'Noronha disse...

Caro Cesar, a realidade é essa e vejo que estamos mancos, míopes, frustrados pela falta de reação. Confesso que estou me isolando cada dia mais aqui no meio do mato pois a idade e minha saúde já estão à meia força. Esperança?
Forte abraço.

Gê Cesar de Paula disse...

Caro Antonio, é, de fato, um golpe atrás do outro. Se isolar é uma defesa absolutamente compreensível Um grande abraço meu amigo!

Maximiliano disse...

Ótimo artigo. Sintetizou bem o drama vivido no país e na América Latina. De fato o que ocorre é um novo estágio do capitalismo que tem que se "reciclar" constantemente. Tristes são os nossos trópicos.

Gê Cesar de Paula disse...

Obrigado Maximiliano. Eu acho que é por aí, mesmo. Voltamos a uma era de intervencionismo, só que de uma outra forma. Por pouco tempo, respiramos um pouco, colocando a cabeça para fora, mas esse olhar por cima da superfície das águas é agressivo demais para os donos hereditários do poder e, novamente, empurraram nossa cabeça para baixo. Boa frase: "tristes são os nossos trópicos".

Laura disse...

Entrei aqui só para dizer uma palavra sobre esse artigo de 2012 que você colocou em link. Impressionante! Onde eu estava que não percebi o que estava por acontecer?

Gê Cesar de Paula disse...

Laura, havia alguns sinais, entre eles os golpes em Honduras e no Paraguai, mas ainda assim, não dava para imaginar que chegaríamos ao estágio e à situação em que chegamos. O golpe continua acontecendo. O buraco parece não ter fim e o pior é que, atônitos, estamos assistindo, passivos, como se nada estivesse acontecendo. É de doer!