sábado, 8 de dezembro de 2007

Equívocos literários (1)

Nem sempre se sabe a origem, e por vezes, nem mesmo a razão, mas inúmeros equívocos literários foram espalhados mundo afora, e muitos deles alcançam quase uma condição de verdade irretorquível. Um deles é um poema que se chamaria “A caminho com Maiakovski” e que seria de autoria de Bertolt Brecht. Também já disseram ser de Maiakovsk. O poema seria assim:






Na primeira noite,
eles se aproximam e roubam uma flor do nosso jardim: não dizemos nada.
Na segunda, já não se escondem.
Pisam as flores, matam o nosso cão e não dizemos nada.
Até que um dia o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a luz e,
conhecendo o nosso medo, arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.
O poema verdadeiro, vejam só, é de Eduardo Alves da Costa, brasileiríssimo de Niterói, nascido em 1936 e se chama, NO CAMINHO COM MAIAKÓVSKI, e é assim:
Assim como a humildemente afaga
a imagem do herói,
assim me aproximo de ti, Maiakósvki.
Não importa o que me possa acontecer
por andar ombro a ombro
com um poeta soviético.
Lendo teus versos,
aprendi a ter coragem.

Tu sabes,
conheces melhor do que eu
a velha história.
Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.

Nos dias que correm
a ninguém é dado
repousar a cabeça
alheia ao terror.
Os humildes baixam a cerviz:
e nós, que não temos pacto algum
com os senhores do mundo,
por temor nos calamos.
No silêncio de meu quarto
a ousadia me afogueia as faces
e eu fantasio um levante;
mas amanhã,
diante do juiz,
talvez meus lábios
calem a verdade
como um foco de germes
capaz de me destruir.

Olho ao redor
e o que vejo
e acabo por repetir
são mentiras.
Mal sabe a criança dizer mãe
e a propaganda lhe destrói a consciência.
A mim, quase me arrastam
pela gola do paletó
à porta do templo
e me pedem que aguarde
até que a Democracia
se digne aparecer no balcão.
Mas eu sei,
porque não estou amedrontado
a ponto de cegar, que ela tem uma espada
a lhe espetar as costelas
e o riso que nos mostra
é uma tênue cortina
lançada sobre os arsenais

Vamos ao campo
e não os vemos ao nosso lado,
no plantio
Mas no tempo da colheita
lá estão
e acabam por nos roubar
até o último grão de trigo.
Dizem-nos que de nós emana o poder
mas sempre o temos contra nós.
Dizem-nos que é preciso
defender nossos lares,
mas se nos rebelamos contra a opressão
é sobre nós que marcham os soldados.

E por temor eu me calo.
Por temor, aceito a condição
de falso democrata
e rotulo meus gestos
com a palavra liberdade,
procurando, num sorriso,
esconder minha dor
diante de meus superiores.
Mas dentro de mim,
com a potência de um milhão de vozes,
o coração grita - MENTIRA
!

2 comentários:

Anônimo disse...

Cesar

Poxa, que legal saber que o poema NO CAMINHO COM MAIAKÓVSKI é de um brasileiro (Eduardo Alves da Costa)!

Eu sempre adorei o trecho citado no poema porque eu sempre achei que ele definia muito o sentimento de opressão que sentíamos na época da ditadura militar no Brasil.

Valeu a informação. Ah, o seu poema sobre o sertão também é maravilhoso!

abraços

Gê Cesar de Paula disse...

Pois é Sérgio, esse é um dos mitos literários que dificilmente se consegue descobrir a origem e, em tempos de internet, se propagam mais facilmente. Estou garimpando outros.
Abração.